FOLHA DE SÃO PAULO - Domingo, 22/08/2010
Extrapolando a expansão do Universo
até seu início, existe um ponto em que
não há como definir o tempo
AGORA QUE o livro do Zuenir Ventura e do Luís Fernando Veríssimo, "Conversa sobre o tempo", está nas livrarias, não consegui resistir. Peguei emprestado o título para termos aqui um outro tipo de conversa sobre o mesmo tópico.
O tempo significa muitas coisas diferentes. E, por falar nisso, adianto que o próximo livro da série "Conversa sobre..." será uma conversa minha com o precioso Frei Betto, mediada por Waldemar Falcão. O tema será "Conversa sobre a fé". Mas isso é coisa para o final do ano.
Enquanto esse livro não chega, gostaria hoje de retomar um tema científico, sobre a origem do tempo.
Uma das consequências mais diretas do Big Bang é que o Universo teve origem em um instante específico do passado. Isso se deu há cerca de 13,7 bilhões de anos.
Uma das indicações mais óbvias disso é a expansão do Universo: o fato de as galáxias estarem se afastando umas das outras.
Portanto, passando o filme ao contrário, chegamos em um instante em que todas elas estão comprimidas em um único ponto. Esse é o momento da criação. E, portanto, o momento em que surge o tempo.
O problema é que essa descrição não funciona. Infelizmente, ao nos aproximarmos desse momento crítico, a teoria que usamos para descrever a expansão do espaço (a teoria da relatividade geral de Einstein) deixa de fazer sentido.
Chegamos à "singularidade", onde toda a matéria estaria comprimida em uma região de proporções não tão diferentes de um átomo.
Com isso, a teoria de Einstein, que trata do espaço e do tempo como entidades contínuas e bem comportadas, precisa ser suplantada por conceitos da física quântica, que trata dos átomos e das partículas elementares da matéria. Aí a coisa fica feia.
Na teoria de Einstein, a gravidade é descrita como consequência da curvatura do espaço. A presença de uma massa, seja ela o Sol, você ou uma bola de tênis, deforma o espaço ao redor e afeta a passagem do tempo. Quanto mais matéria, maior a curvatura do espaço e mais lenta a passagem do tempo. Um relógio no Sol bate mais devagar do que na Terra. Os efeitos são bem pequenos.
Quanto tentamos "quantizar" a gravidade, temos de supor que, tal como no caso dos átomos, as mesmas estranhas regras se aplicam: no mundo do muito pequeno, tudo flutua, nada fica parado.
Se você imaginar o espaço como uma membrana, feito o topo de um tambor, isso significa que ele vibrará de várias formas e o que ocorre aqui não é o que ocorre ali.
O mesmo com o tempo. Ele não flui mais continuamente. Como a era quântica do Universo veio antes da era clássica (explicada pela teoria de Einstein), temos de supor que, nessa situação inicial onde tudo flutuava, o tempo usual não existia.
Se extrapolarmos a expansão do Universo até o seu início, chegamos a um ponto em que não podemos definir o tempo de modo familiar.
Aliás, como disse já Santo Agostinho, o tempo e o espaço surgem com a criação. Na física, o tempo e o espaço einstenianos, contínuos e bem comportados, surgem na transição da era quântica à era clássica. E como o Big Bang é precisamente o evento que marca a passagem do universo da era quântica para a era clássica, é ele também que marca o nascimento do tempo.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
Nenhum comentário:
Postar um comentário