30 de jul. de 2013

Ouro espacial

por Cássio Barbosa
Crédito: Dana Berry, SkyWorks Digital, Inc.



O ouro é valioso por diferentes razões: ele é bonito; como um metal maleável é útil para joalheria; por sua condutividade elétrica é usado em terminais de chips e processadores de computadores; e por sua capacidade de refletir a radiação térmica, é um bom isolante em satélites e equipamentos de criogenia. Além de tudo isso, o ouro é valioso sobretudo porque é raro, não só na Terra, mas também no universo como um todo.

Elementos químicos como carbono, oxigênio, nitrogênio e toda a tabela periódica até o ferro são formados no interior das estrelas no processo de fusão nuclear. No núcleo das estrelas, onde temperatura e pressão são altíssimas, elementos leves se fundem formando elementos mais pesados, como por exemplo hidrogênio em hélio, hélio em carbono. Além de produzir elementos mais pesados, que não havia anteriormente na estrela (pelo menos em grandes quantidades), a estrela produz energia. Estrelas com mais massa têm núcleos mais quentes e condições de produzir elementos mais pesados.

As reações nucleares são exotérmicas até quando a estrela começa a formar o ferro. A reação de fusão de dois núcleos de ferro passa a consumir energia, ao invés de liberá-la. Ou seja, ela é uma reação endotérmica. Quando uma estrela chega a esse ponto, se ela chega a esse ponto, as reações nucleares começam a roubar a energia do núcleo estelar e a estrela literalmente implode. Com a contração súbita das camadas exteriores da estrela, seu núcleo volta a se aquecer, mas de maneira tão violenta e rápida que ela explode em supernova, deixando uma estrela de nêutrons ou até mesmo um buraco negro em seu lugar. Em eventos desse tipo, a quantidade de energia liberada é tão grande que todo o resto da tabela periódica pode ser criado.

Além dos eventos de supernova, outro tipo de evento também é conhecido por liberar quantidades imensas de energia: os surtos de raios gama (GRB, na sigla em inglês). Nesses eventos, duas estrelas de nêutrons, que são os restos de uma explosão de supernova, se colidem liberando uma enorme quantidade de radiação extremamente energética, os raios gama. Eventos de GRB são bem comuns, com um registro a cada dia, em média, e estão sempre a enormes distâncias, a maioria a bilhões de anos-luz.

O caso do GRB130603B, que foi detectado em 3 de junho último, é bastante interessante. A uma distância estimada de 3,9 bilhões de anos luz, ele é um dos mais próximos já detectados. Após o registro da explosão, uma equipe de pesquisadores liderados por Edo Berger, de Harvard, notou e acompanhou a persistência de um brilho residual que resistiu por dias. Esse brilho é, em geral, produzido por jatos de matéria emitidos da colisão a altas velocidades. Mas não foi esse o caso dessa vez.

O brilho residual se comportava como se fosse produzido pelo decaimento radioativo de núcleos exóticos, criado a partir do material rico em nêutrons das estrelas em colisão. Analisando esse brilho em comprimentos de onda no infravermelho, Berger e colaboradores estimaram que a massa ejetada nessa violenta explosão foi de um centésimo da massa do Sol, repleta de núcleos pesados, inclusive ouro. Mais precisamente, a quantidade de ouro produzida nessa explosão deve ter sido o equivalente a massa de 10 Luas!

Com esses resultados, Berger e seus colaboradores fizeram uma conta levando em consideração a quantidade de ouro produzida numa única explosão e somando todas as explosões desse tipo que já devem ter ocorrido até hoje. O resultado desse cálculo bateu com a quantidade de ouro esperada para o universo inteiro. Conclusão, o mecanismo de produção de ouro no universo é oriundo da colisão de estrelas de nêutrons! Em outras palavras, nenhum outro processo como as próprias explosões de supernovas devem ser eficientes para produzir a quantidade esperada de ouro.

Então, para fazer Carl Sagan se revirar em seu túmulo, podemos dizer que todos somos feitos de restos de estrelas, mas nossa joalheria é feita de restos de estrelas colidindo.

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