8 de jan. de 2010

Revista Pesquisa Fapesp

Urano e suas luas

Eclipses e ocultações fornecem dados para aprimorar a compreensão da estrutura dos planetas


© Nasa
Urano

Fala-se pouco de Urano. Sétimo planeta a partir do Sol, o astro com nome do deus grego que representava os céus só foi descoberto em 1781 e não costuma ganhar nos noticiários o mesmo espaço dedicado hoje a Marte. Esse motivo pode até fazer muitos pensarem que se trata de um planeta menor. Mas não Roberto Vieira Martins. Ele e colaboradores do Observatório Nacional e do Observatório do Valongo, no Rio de Janeiro, testemunharam recentemente uma rara sequência de ocultações e eclipses entre as principais luas de Urano. As medições que obtiveram, as mais precisas já feitas para essas luas, devem ajudar a conhecer melhor tanto a trajetória dos satélites como a própria estrutura interna desse planeta azul-esverdeado coberto por densas camadas de nuvens.

Desde que retornou do doutorado na França em 1982, o astrônomo brasileiro registra continuamente a revolução celeste de Urano e suas cinco maiores luas: Miranda, Ariel, Umbriel, Titânia e Oberon. De agosto a novembro de 2007, Martins e os astrônomos Marcelo Assafin, Felipe Braga-Ribas, Dario da Silva Neto e Alexandre Andrei se revezaram no telescópio do Observatório do Pico dos Dias – o maior em solo nacional, instalado em Brasópolis, Minas Gerais – para acompanhar uma série de ocultações e eclipses ocorridos entre as cinco das 27 luas de Urano, o único planeta do Sistema Solar com eixo de rotação inclinado um pouco mais de 90 graus em relação ao da Terra.

A equipe do Rio observou cinco ocultações, quando um satélite encobre total ou parcialmente o outro, e dois eclipses, situação em que a sombra de uma lua encobre total ou parcialmente a outra. Foi uma oportunidade rara, pois Urano só se coloca em posição favorável à observação de eclipses e ocultações duas vezes durante os 84 anos que leva para completar uma volta em torno do Sol. Além dos sete eventos, descritos em abril de 2009 no The Astronomical Journal, o grupo carioca acompanhou algo ainda mais incomum: uma ocultação e um eclipse simultâneos envolvendo o mesmo par de satélites – Ariel, de 1.150 quilômetros de diâmetro, e Miranda, quase 2,5 vezes menor.

Brilho e órbita - A passagem de um satélite ou de sua sombra à frente de outro bloqueia parte ou até mesmo toda a luz refletida por aquele mais distante da Terra – e, nesse caso, próximo a Urano. Conhecendo a redução de brilho, os astrônomos conseguem calcular a distância entre os objetos. Em geral, são necessárias medições feitas por vários telescópios para estabelecer com precisão a posição dos satélites na órbita de um planeta. Mas tudo fica mais simples quando ao mesmo tempo há um eclipse e uma ocultação de uma lua sobre outra, como ocorreu com Ariel e Miranda. “Essas informações, que serão publicadas em breve, tornam possível estabelecer de maneira mais precisa a geometria da órbita desses satélites, com margem de erro de 30 quilômetros”, afirma Assafin, da equipe do Valongo, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro.

E 30 quilômetros são quase nada para o planeta mais distante visível a olho nu, situado a 2,9 bilhões de quilômetros do Sol, distância 20 vezes maior do que a que separa a Terra de sua estrela. Nem a passagem da sonda espacial Voyager 2, que visitou as vizinhanças do planeta azul-esverdeado em 1986, havia gerado dados tão precisos sobre a órbita desses satélites. “Nossas observações permitiram coletar dados pelo menos 10 vezes mais precisos do que os anteriores”, conta Martins, que também é pesquisador associado do Observatório de Paris.

Somando esses dados aos de grupos internacionais, a equipe de Martins espera estabelecer com mais exatidão as órbitas das luas em torno de Urano e as forças que as influenciam. “Nem sempre são óbvios os fatores que determinam a órbita”, conta Martins. Um dos fatores que os astrônomos acreditam interferir na trajetória das luas é a chamada força de maré, consequência secundária da atração gravitacional entre dois corpos. Assim como a força de maré, que provoca uma lenta variação na órbita dos satélites, há também a influência de outras forças decorrentes da distribuição irregular de matéria no interior do planeta.

A partir dessas informações os astrônomos conseguem inferir a composição das camadas mais internas do planeta. Sob suas nuvens de milhares de quilômetros de espessura, por exemplo, imagina-se que existam oceanos de água diluída em metano e talvez até mesmo uma superfície sólida. Mas tudo o que se vê a partir da Terra é a atmosfera. “Não sabemos o que existe ali embaixo”, conta Martins.

Conhecer a estrutura dos planetas mais externos do Sistema Solar, como Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, deve revelar detalhes do ambiente em que eles e o Sol se formaram há 4,5 bilhões de anos. Mas, antes mesmo que se obtenha esse tipo de informação, Assafin acredita que Urano se tornará mais conhecido. É que na busca por planetas rochosos como a Terra (ver Pesquisa FAPESP nº 104 e nº 164) os menores planetas encontrados têm as dimensões de Urano. “Para entender por que estão lá”, diz Assafin, “é preciso saber por que também existem por aqui”.


Nasa

Em ordem crescente: as luas Miranda, Ariel, Umbriel, Titânia e Oberon

> Artigo científico

ASSAFIN, M. et al. Observations and analysis of mutual events between the Uranus main satellites. The Astrophysical Journal. v. 137, p. 4.046-53. Abr. 2009.

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