13 de jan. de 2012

Uma bolha no tempo

Folha de São Paulo

MARCELO GLEISER

Cientistas criaram um intervalo de tempo em que as coisas ocorrem sem serem vistas.

Os melhores mágicos são aqueles que conseguem realizar os feitos mais improváveis, que parecem violar as leis da natureza: o truque do desaparecimento, de serrar alguém ao meio, de parecer adivinhar que carta você escolhe, de tirar um coelho da cartola... A mágica da mágica está justamente em ludibriar a nossa percepção do real, fazendo o impossível parecer possível.

Pois bem, nesta semana, cientistas da Universidade de Cornell, nos EUA, anunciaram um feito que parece ludibriar as leis da natureza: criaram uma "bolha no tempo", um intervalo de tempo em que coisas ocorrem sem que sejam detectadas por um observador externo.

Como diz o ditado, "ver para crer" forma a base da nossa percepção. Recebemos informação através de pulsos de luz que chegam aos nossos olhos, refletidos do objeto que observamos. Se o objeto está em movimento, esses pulsos vão mudando com o tempo. Para não vermos que algo ocorreu, "basta" não recebermos luz vinda do objeto.

A experiência envolve pulsos de luz viajando em fibras óticas modificadas. Fibras óticas são essencialmente tubos de vidro por onde a luz, por exemplo na forma de raios laser, pode viajar. Como sabemos, essas fibras revolucionaram as telecomunicações pois têm perdas muito menor de sinal do que meios mais comuns, como cabos de cobre.

Os cientistas enviaram um pulso de laser por uma fibra desenhada para dispersar ou colimar luz de forma controlada. Um pulso de laser é uma onda de luz pura, com apenas uma frequência. A certa altura na fibra, o pulso de laser sofre interferência de outro pulso que muda a luz de uma para várias frequências.

Esse pulso combinado entra então numa parte da fibra onde pulsos com frequências diferentes viajam com velocidades diferentes, com o azul indo mais rápido do que o vermelho. Com isso, as duas cores são separadas até que, entre elas, existe um espaço onde não há luz alguma. Esse intervalo de escuridão total, com um centímetro de comprimento e duração de 50 trilionésimos de segundo, é interpretado como uma bolha no tempo. O que ocorre nela não pode ser visto.

Para se certificar de que a bolha era real, os cientistas fizeram um pulso de luz passar pelo local onde a bolha foi criada. Em geral, a interferência entre os dois pulsos acusaria a existência do pulso dentro da bolha. Mas quando o pulso enviado foi examinado após passar pela região da bolha, nada havia mudado.

Mesmo que o intervalo de tempo tenha sido muito curto, "curto demais para alguém roubar um quadro num museu", brincou Moti Fridman, que trabalhou no experimento, o feito demonstra que "invisibilidade" pode ocorrer tanto no espaço quanto no tempo.

Uma analogia seria a seguinte: um trem com 40 carros viaja na sua direção. Você vê um motociclista querendo atravessar os trilhos do trem. Sem que você saiba, os carros de número 20 e 21 se soltam, criando um espaço entre eles. O motociclista aproveita a brecha e atravessa antes dos carros se juntarem novamente. Você vê apenas o motociclista já do outro lado do trem. "Será que vi um fantasma?", você poderia se perguntar. Não... Foi apenas uma manipulação sensacional das propriedades da luz, um exemplo da mágica da ciência.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook:http://goo.gl/93dHI



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