ÉPOCA - 28/08/2010
Para o presidente da academia britânica, nosso país está na vanguarda em algumas áreas
ALEXANDRE MANSUR
A mais prestigiada academia científica do mundo, a Royal Society britânica, escolheu o Brasil para participar de seu 350º aniversário. Além de eventos no Reino Unido, a sociedade promove dois grandes encontros internacionais. Um deles é o Fronteiras da Ciência, que reúne 78 pesquisadores britânicos, brasileiros e chilenos para debater os limites do conhecimento entre 30 de agosto e 3 de setembro, em Itatiba, no interior de São Paulo. Para o astrofísico Martin Rees, presidente da entidade, a escolha faz jus ao avanço brasileiro nos últimos anos, em especial nas áreas de agricultura e energias limpas. Qualquer país que deseje se desenvolver precisa criar uma grande comunidade científica, afirma Rees. Diz que ainda há muito a ser descoberto. Estamos nos aproximando de questões que nem haviam sido propostas quando eu era estudante.
ENTREVISTA - MARTIN REES
QUEM É
Cosmologista e astrofísico britânico, é o Astrônomo Real desde 1995 e presidente da Royal Society, a sociedade real de ciências do Reino Unido, desde 2005
O QUE FEZ
Seus mais de 500 artigos científicos ajudaram a explicar aspectos do Universo como a formação das galáxias e a radiação proveniente do bigue-bangue
O QUE ORGANIZA
Está promovendo o encontro Fronteiras da Ciência, no Brasil
ÉPOCA Por que a Royal Society escolheu o Brasil?
Martin Rees O Brasil é cada vez mais importante no mundo científico. Nos últimos anos, o orçamento para pesquisas dobrou e o país desenvolveu parcerias com o Reino Unido. Vocês têm liderança em biocombustíveis e pesquisa de ponta na área agrícola. Nessas áreas o Brasil começa a fazer diferença. Assim como no desenvolvimento de energias limpas.
ÉPOCA Como converter essa produção científica em inovação tecnológica que renda retorno econômico?
Rees Também nos preocupamos com isso no Reino Unido. Qualquer país que deseje se desenvolver precisa criar uma grande comunidade científica. Não só porque os pesquisadores farão descobertas. Mas porque estão ligados à comunidade científica internacional, de onde vêm mais de 90% das descobertas. Vocês precisam de gente capaz de identificar os avanços e trazê-los para o país.
ÉPOCA Um país em desenvolvimento como o Brasil pode se dar ao luxo de investir em ciência básica, que não dá retorno imediato?
Rees Os recursos dedicados a pesquisas básicas em qualquer país são uma fração pequena do total. Acontece que você precisa ter boas universidades e centros de pesquisa para formar pessoas qualificadas e reter os cérebros que iriam para outro país. Por isso, é fundamental desenvolver físicos, químicos e matemáticos, mesmo que não pesquisem diretamente aplicações industriais. Eles educarão a próxima geração de especialistas.
ÉPOCA Ainda existe alguma grande descoberta a ser feita?
Rees De certa forma, estamos começando. Estamos nos aproximando de questões mais fundamentais, que nem haviam sido propostas quando eu era estudante. Ainda não entendemos as condições no bigue-bangue (a origem do Universo). Gostaríamos de entender o que levou o Universo dessa fase inicial, mais quente, para o cosmo que vemos hoje. Como se formaram os primeiros átomos, estrelas, galáxias e planetas. E como a biosfera se constituiu. Temos apenas uma compreensão parcial desses eventos. O darwinismo consegue explicar como a diversidade de vidas complexas surgiu a partir de alguns organismos mais simples. De forma semelhante, estamos tentando entender como esse cosmo complexo se desenvolveu desde o início, há 13,5 bilhões de anos.
ÉPOCA Para contar essa história, os cosmologistas começam a evocar conceitos estranhos, como múltiplos universos paralelos ou dezenas de dimensões. Algum dia esbarraremos no limite de nossa capacidade de compreensão?
Rees Há vários conceitos difíceis porque não são intuitivos. Mas isso não é exatamente novo. Os princípios da física quântica, dos anos 1920, já eram assim. Porque a matéria, na escala subatômica, se comporta de forma bem diferente do que nós vemos no dia a dia. E é uma teoria bem estabelecida, que serve de base para boa parte das tecnologias atuais.
ÉPOCA Algum dia saberemos o que houve antes do bigue-bangue?
Rees De certa forma, essa não é a linguagem certa. Quanto mais próximos chegamos do evento inicial, os conceitos de espaço e tempo começam a deixar de fazer sentido. Quando o tempo deixa de ser como uma seta, de antes para depois, não dá mais para pensar em termos de o que aconteceu primeiro. Mas tenho esperança de que teremos uma noção mais clara de por que o Universo começou.
ÉPOCA A religião oferece essa explicação para o Universo?
Rees Religião e ciência são duas atividades bem diferentes. A ciência nos oferece vários mistérios. E precisamos entender que, mesmo que não os entendamos agora, saberemos cada vez mais no futuro.
ÉPOCA O senhor acredita em Deus?
Rees Não gostaria de responder.
ÉPOCA A espécie humana vai sobreviver a este século?
Rees Seguramente, embora haja o risco de passarmos por um contratempo grave, como uma guerra nuclear. E há a pressão cada vez maior sobre o meio ambiente. Nós nos aproximamos de uma população de 9 bilhões de pessoas, com dificuldades para produzir alimento e energia.
ÉPOCA O físico Stephen Hawkins propõe que colonizemos outros planetas. O senhor concorda?
Rees É uma sugestão idiota. Não há nenhum lugar no Sistema Solar tão confortável quanto a Antártica ou o Monte Everest. As viagens espaciais serão uma empreitada apenas para os aventureiros.
ÉPOCA E os planetas que estão sendo descobertos em outros sistemas solares? Chegaremos lá algum dia?
Rees Só se você pensar em uma escala de tempo de bilhões de anos. Aí podemos imaginar que a vida sairá da Terra. Mas provavelmente não serão humanos. Porque o tempo transcorrido até lá será mais longo do que o que vivemos desde o início do nosso Sol. Em 4 bilhões de anos, a vida mudou de formas com apenas uma célula para organismos como os humanos. Se a vida da Terra chegar a outras estrelas, será uma vida além dos humanos. Não há razão para imaginar que os humanos sejam o estágio final da evolução.
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