30 de set. de 2010

POLUIÇÃO DE LUZ

O Globo  -  28/09/2010



Iluminação das cidades impede visão de estrelas e afeta saúde do ser humano
Cesar Baima





RIO - Desde que, há cerca de 1,5 milhão de anos, um antigo ancestral ficou de pé pela primeira vez e olhou para cima, o ser humano tem observado o céu. Nele, encontrou as primeiras formas de contar a passagem do tempo, com as noites sucedendo os dias, as semanas acompanhando as fases da Lua, as estações seguindo o ciclo das constelações do Zodíaco. Nele também fez o abrigo dos deuses, desenhou seus mitos e histórias, colocou objetos do dia a dia. Em todas as culturas, o céu e seus fenômenos há séculos ocupam um lugar importante. Mas hoje, principalmente nas grandes cidades, vemos estes desenhos se apagarem e as estrelas sumirem, não pela ação de um ser todo-poderoso que habita o firmamento, mas pela interferência do próprio homem. É a chamada poluição luminosa, fantasma de astrônomos profissionais e amadores e que também causa grandes problemas para a vida animal, vegetal e a saúde do ser humano.

Veja as fotos da cidade superiluminada

Segundo estimativas do Departamento de Energia dos Estados Unidos, pelo menos 30% da iluminação em locais públicos no país é desperdiçada, gerando prejuízos da ordem de US$ 10 bilhões anuais. Isto acontece seja por uso inapropriado, como lâmpadas acesas de dia, ou por ineficiência, como spots e postes cujos raios ultrapassam a horizontal, iluminando o céu e não o chão, onde a luz é necessária e tem papel fundamental, entre outras coisas, na segurança pública. Estes últimos casos são a principal forma de poluição luminosa, pois criam clarões e perturbam o sono de moradores de áreas urbanas, por exemplo.

- E esses 30% são um número conservador. Não apenas isso só vale para os EUA como também é só para as luzes de rua, o que não inclui estacionamentos, parques, estádios e a iluminação comercial de qualquer tipo - conta Johanna Duffek, diretora de Educação e Divulgação da International Dark-Sky Association (IDA), organização educacional internacional fundada em 1988 e presente em mais de 70 países que luta pela preservação do direito a noites escuras que permitam a observação do céu por meio de um uso mais racional da luz. - Nunca fomos antiluz. O que sempre defendemos é a qualidade da iluminação em áreas externas, sem luzes num ângulo acima de 90º, que é possível com medidas simples como equipamentos conhecidos como luminárias de corte completo - acrescenta.

A preocupação com a preservação do céu noturno surgiu primeiro entre os astrônomos, que viram seu trabalho ficar cada vez mais difícil à medida que a urbanização crescia. Aos poucos, os observatórios em grandes cidades como Londres, Paris e Rio tornaram-se inúteis para as pesquisas, voltando-se apenas para fins educacionais. E mesmo no interior o aumento da iluminação trouxe prejuízos, como conta o astrofísico Carlos Veiga, chefe da Divisão de Atividades Educacionais do Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Em 1981, a instituição inaugurou no Pico dos Dias, em Brazópolis, Minas Gerais, o maior telescópio em território brasileiro, com um espelho principal de 1,6 metro de diâmetro. Com o crescimento da cidade e da vizinha Itajubá, porém, o equipamento já é muito pouco usado pelos cientistas.

- No começo, as observações que fazíamos eram incríveis. Não tinha nada por lá. Mas, 10 anos depois, as pessoas foram chegando perto do morro onde ele está instalado e o sítio se degradou enormemente - lembra. - Este telescópio formou praticamente todos astrônomos modernos do país, mas agora quase não temos mais nenhum programa profissional lá. Até a iluminação de São Paulo causa efeitos no local. Sua difusão sobre a névoa cria uma "gosma" de luz que limita a observação à proximidade do zênite, de 30 a 40 graus acima do horizonte.


Em busca de céus mais escuros, os astrônomos tiveram que levar seus equipamentos para alguns dos lugares mais isolados do mundo. Afinal, não faria sentido investir até bilhões de dólares em instrumentos com tecnologia de ponta e supersensíveis para instalá-los em locais onde as condições de iluminação, clima e atmosfera não fossem as mais perfeitas possíveis para as pesquisas. É o caso, por exemplo, do projeto Impacton, novo aparelho do Observatório Nacional que vai buscar asteroides e cometas que apresentem risco de colisão com a Terra (leia mais na página ao lado).

Tanto para Carlos Veiga quanto para Johanna Duffek, o importante é manter o encantamento que um céu salpicado de estrelas pode proporcionar como forma de estimular o interesse das crianças e jovens que formarão as futuras gerações de astrônomos. Num céu limpo e sem poluição luminosa, como nas primeiras reservas que a IDA começa a homologar ao redor do mundo, é possível ver a olho nu astros com magnitude até 6 (quanto maior a magnitude, menos brilhante o objeto) e a Via Láctea produz sombras. No clarão das grandes cidades, porém, este limite chega a cair à magnitude zero, representada pela estrela Vega, uma das mais brilhantes do firmamento.

- Gostaríamos muito de ver as pessoas se reconectarem com o céu noturno. A astronomia sempre foi uma porta que abriu o interesse dos jovens para outras aventuras científicas. Seria uma lástima esta inspiração se tornar uma coisa do passado - comenta Johanna.

Ela reconhece que, de início, a principal preocupação da IDA era com os efeitos da poluição luminosa na astronomia. Aos poucos, no entanto, foram surgindo estudos mostrando como ela também é nociva para a vida animal e para a saúde humana. No ano passado, a American Medical Association aprovou resolução em que se une ao combate à poluição luminosa, que estaria ligada a alterações no clico circadiano (relógio biológico) associadas a problemas imunológicos e podem ter um elo com o aumento na incidência de câncer e outras doenças.

- Cada vez mais aparecem pesquisas mostrando como a iluminação artificial à noite pode ser um desperdício de energia, prejudicar a vida animal, ter impactos adversos na saúde humana e simplesmente não produzir um ambiente mais seguro - lista Johanna.

Segundo pesquisas realizadas nos EUA e na Rússia, a exposição a luzes intensas à noite diminui a produção de melatonina, hormônio que regula os ciclos de sono e despertar. Esta queda foi associada a um risco maior de desenvolvimento de câncer de mama e no intestino. Numa pesquisa, verificou-se que mulheres que trabalham em turnos noturnos têm 50% mais chances de desenvolver câncer nos seios. Já estudo feito com 12 mil mulheres na Finlândia mostrou que as que dormiam nove horas à noite tinham apenas um terço da chance de desenvolver este tipo de câncer quando comparadas com as que descansavam menos de 8 horas.

No mundo animal, a poluição luminosa também leva a consequências variadas. Recente levantamento do Instituto Max Planck de Ornitologia, na Alemanha, mostra que o clarão das cidades está afetando o comportamento dos pássaros, fazendo com que comecem a cantar cada vez mais cedo. A cantoria no amanhecer serve tanto para atraírem as fêmeas para procriar quanto para marcar território.

- A poluição luminosa está influenciando a reprodução dos pássaros, com consequências ainda não conhecidas sobre estas populações de animais - diz Bart Kempenaers, líder do estudo.

Também se sabe que a poluição luminosa confunde os animais, afastando-os de locais de alimentação e deixando-os mais expostos aos predadores. Até mesmo as árvores sofrem com o excesso de luz. Algumas espécies de plantas que perdem suas folhas em determinadas estações têm seus ciclos de fotossíntese alterados pelas luzes intensas das cidades.

Um comentário:

  1. O problema da iluminação da cidade é que a luz jogada para cima é desperdiçada. Toda luz deveria ser refletida para o chão. Isto aumentaria a luz no ambiente e não poluiria a atmosfera com luz indejesável.

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