Revista Pesquisa Fapesp
Edição Impressa 175 - Setembro 2010
Brasileiros identificam estrelas semelhantes à que aquece e ilumina a Terra
Procura-se um novo Sol. De preferência, aqui mesmo pela vizinhança. Não que este não sirva mais. O Sol, que nos últimos 4,6 bilhões de anos tem se apresentado invariavelmente todas as manhãs e se recolhido no final do dia, está apenas em sua meia-idade. Ainda deve viver outros 5 bilhões de anos iluminando e aquecendo a Terra e os planetas próximos. É verdade que nem tudo será sombra e água fresca. Daqui a uns 300 milhões ou 1 bilhão de anos, no máximo, o Sol passará a brilhar mais intensamente, aumentando a temperatura na Terra e tornando inviável a vida como se conhece hoje. Até lá, muitos dirão, há tempo de sobra. Mas há quem já comece a pensar no que fazer. Afinal, segundo os astrônomos, no longuíssimo prazo a humanidade terá de deixar a Terra caso queira continuar a existir.
Os quase 50 grupos internacionais que se dedicam a vasculhar os céus atrás de uma estrela como a nossa, é claro, não esperam encontrar um lar para os tataranetos de seus tataranetos. Estão mais interessados em saber se o Sol é mesmo uma estrela sem par entre as centenas de bilhões de estrelas do Cosmo, ou se, ao contrário, é um astro banal, encontrado aos montes nesta e em outras galáxias. Essa dúvida vem acompanhada de outra: estamos sozinhos no Universo ou há vida em outros mundos?
Enquanto aguardam essa era de luz e calor excessivos, equipes do Brasil e de outros países investem mais do que nunca na busca de outro Sol. Alguns candidatos não muito distantes até surgiram nos últimos anos. Dos 10 que têm idade próxima à do Sol, ao menos quatro foram identificados por pesquisadores que atuam no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Outros mais devem aparecer à medida que se tornem públicos os dados de amplos levantamentos estelares e de trabalhos encaminhados para publicação. Ao menos uma nova estrela semelhante ao Sol deverá ser apresentada pelos astrofísicos José Renan de Medeiros e José Dias do Nascimento Júnior, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na reunião anual da Sociedade Astronômica Brasileira, no início de setembro em Passa Quatro, Minas Gerais.
Essa estrela, cujo nome e localização no céu ainda são mantidos em sigilo, foi identificada entre as quase 10 mil que o telescópio espacial Corot, satélite franco-europeu-brasileiro lançado em 2006, observou nos primeiros anos de operação. Como ela, deve haver ao menos outras 20 nas proximidades do Sol, calculam os pesquisadores da UFRN com base em dados do Corot. Elas se somam a outras dezenas de estrelas semelhantes ao Sol mapeadas nos últimos anos por outros telescópios.
Apesar de parecer um número elevado, não é. Pouquíssimas dessas estrelas têm todas as características idênticas às do Sol e são o que a astrofísica francesa Giusa Cayrel de Strobel chamou no fim dos anos 1980 de gêmeas solares. Só 7% das estrelas que se encontram a até 33 anos-luz do Sistema Solar são parecidas com o Sol a ponto de proporcionarem a existência de condições necessárias ao surgimento da vida como conhecemos na Terra, segundo levantamento publicado em 2006 na Astrobiology pelos astrofísicos Gustavo Porto de Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Eduardo Del Peloso e Luan Ghezi, do Observatório Nacional.
Foi Mello, aliás, quem encontrou anos antes a estrela que por uma década foi considerada a melhor candidata a gêmea do Sol: a 18 Scorpii. Descrita em 1997 por Mello e Lício da Silva, seu orientador no doutorado, a 18 Scorpii é uma estrela de brilho sutil, praticamente invisível a olho nu, que aparece no alto da constelação de Escorpião. Ela está a 46 anos-luz da Terra – distância que poderia ser percorrida durante a vida de um ser humano, caso surja tecnologia para viajar a velocidades próximas à da luz – e foi identificada entre 118 mil estrelas observadas pela sonda espacial Hipparcos, da Agência Espacial Europeia (ESA).
A 18 Scorpii é só 5% mais luminosa que o Sol e um pouco mais nova, com idade calculada em 4,2 bilhões de anos. Sua superfície é 12 graus mais quente que a solar, onde a temperatura é de 5.507 graus Celsius ou 5.780 Kelvin (K), a escala de temperatura preferida dos físicos. A massa da 18 Scorpii é 1% maior que a do Sol e sua velocidade de rotação 17% mais elevada: ela leva 23 dias terrestres para completar uma volta em torno de seu eixo enquanto o Sol precisa de 28.
Mas nem toda essa semelhança garantiu à 18 Scorpii o título de gêmea solar. Sua composição química é um pouco diferente da do Sol, constataram Nascimento e Mello. Eles compararam a concentração do elemento químico lítio, um dos mais simples da natureza, em cinco candidatas a gêmea solar e notaram que a quantidade de lítio da 18 Scorpii é dezenas de vezes superior à do Sol, segundo artigo publicado em 2009 na Astronomy and Astrophysics. É uma diferença considerável, uma vez que, além de indicar a idade da estrela, a abundância desse elemento químico permite ter uma ideia do que se passa em seu interior.
Essas colossais bolas de gás não são tranquilas como parece a distância. O interior de uma estrela é extremamente turbulento. Da superfície para o centro, o gás eletricamente carregado (plasma) se torna mais denso e quente. Os 5.780 K medidos na superfície solar – a camada mais externa visível do Sol, responsável por sua cor amarela – sobem gradativamente até atingir 15 milhões de graus no coração da estrela, onde núcleos do elemento químico hidrogênio (o mais simples e abundante do Universo) se combinam produzindo hélio e liberando energia na forma de partículas de luz (fótons) altamente energéticas. Os fótons produzidos por fusão nuclear seguem um caminho tortuoso em que são absorvidos e reemitidos inúmeras vezes por outros elementos químicos até que conseguem atravessar os 700 mil quilômetros de espessura do Sol e escapar para o espaço quase 200 mil anos depois de terem sido criados.
Sabe-se hoje que os níveis de lítio de estrelas como o Sol diminuem com o tempo. Alguns estudos vêm mostrando que estrelas com pouco lítio são menos ativas que aquelas com níveis elevados e sofrem menos explosões, que lançam altos índices de radiação muito energética sobre os planetas ao redor. Por essa razão, concluíram os pesquisadores, a 18 Scorpii, rica em lítio, dificilmente abrigaria um sistema planetário favorável à vida – por ser realmente distinta do Sol ou apenas encontrar-se em um estágio evolutivo diferente.
(Nasa) |
O trabalho que desbancou a 18 Scorpii como gêmea solar ajudou a consolidar o favoritismo de outra estrela, a HIP 56948. Identificada em 2007 pelo astrofísico peruano Jorge Meléndez, atualmente professor da Universidade de São Paulo, essa estrela da constelação do Dragão é 47 graus mais fria que o Sol e 14% maior. Distante da Terra 220 anos-luz, a HIP 56948 tem a mesma massa e composição química solar e é apenas 100 milhões de anos mais velha. “Hoje essa estrela é a número 1 entre as 10 principais candidatas a gêmea solar e deverá ser investigada pelo projeto Seti [Search for Extraterrestrial Inteligence], que procura sinais de vida em outras partes do Universo”, diz Nascimento.
A busca por um novo Sol ganhou fôlego em 1995 depois que os astrônomos suíços Michel Mayor e Didier Queloz anunciaram ter detectado o primeiro planeta orbitando uma estrela parecida com o Sol fora do Sistema Solar (ver Pesquisa FAPESP nº 104). Quinze anos mais tarde são 479 os planetas extrassolares conhecidos e 43 as estrelas que têm mais de um planeta por companhia. Nenhuma delas, porém, idêntica ao Sol.
Enquanto não encontram um gêmeo solar ideal, o alvo mais natural para a procura de planetas habitáveis, os pesquisadores aproveitam estrelas chamadas de análogas solares – semelhantes, mas não idênticas ao Sol – para construir um perfil evolutivo do astro que tornou possível a vida na Terra. Assim, esperam conhecer melhor como foi seu passado e como deve ser seu futuro. “A tentativa de construir um perfil evolutivo de estrelas como o Sol recebeu prioridade na missão Corot”, diz José Renan de Medeiros, um dos coordenadores da participação brasileira no projeto.
Em abril deste ano Mello, Nascimento e Medeiros encaixaram uma peça importante nesse mapa. Em parceria com pesquisadores da Espanha, da Inglaterra e da França, descreveram no Astrophysical Journal um Sol muito jovem. É a estrela kappa1 Ceti, da constelação da Baleia, que tem tamanho, massa e temperatura próximos aos do Sol, mas é bilhões de anos mais nova. A kappa1 Ceti tem entre 400 milhões e 800 milhões de anos, a idade do Sol no período em que surgiu a vida na Terra e os oceanos de Marte evaporaram.
Se no passado distante o Sol de fato se pareceu com essa estrela, os modelos de evolução da atmosfera terrestre podem precisar de alguns ajustes. A kappa1 Ceti emite de duas a sete vezes mais radiação ultravioleta altamente energética e 35% menos raios ultravioleta de menor energia do que o Sol produz hoje. Essa forma de radiação é importante por controlar as reações químicas que permitiram o aumento da concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera da Terra primitiva e o aquecimento do planeta.
A produção de energia das estrelas oscila com o tempo e depende de dois fenômenos interligados: a velocidade de rotação e a geração de campos magnéticos. Como as estrelas não são esferas rígidas, a superfície delas se move mais rapidamente na região do equador e mais lentamente nos polos. E quanto maior a velocidade do plasma, mais intensos são os campos magnéticos gerados, que, por sua vez, influenciam o tipo de radiação emitida. De tempos em tempos esses campos ficam retorcidos e emaranhados em áreas de intensa atividade e emissão de energia, vistas como manchas escuras na superfície das estrelas (ver http://www.revistapesquisa.fapesp.br/).
Segundo os modelos de evolução estelar, quando surgiu o Sol devia ter uma taxa de rotação muito alta, completando um giro em torno de si mesmo a cada três dias e emitindo de centenas a milhares de vezes mais radiação altamente energética. Com o tempo, ele passou a girar mais devagar e a produzir mais radiação na faixa da luz visível. “Sabemos que isso parece ser verdade a partir da análise de estrelas mais jovens e mais velhas que o Sol”, conta Mello, que em alguns meses deve publicar um trabalho com dados de três estrelas semelhantes à que o Sol foi na infância e dados de estrelas com as quais ele deverá se parecer em bilhões de anos.
Nos últimos anos a astrofísica Adriana Válio, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, vem analisando a atividade na superfície de estrelas análogas ao Sol usando uma técnica inovadora que ela própria criou. Quando começou a participar do projeto Corot em 2002, Adriana tentou imaginar uma forma de usar a luminosidade medida pelo satélite para ter uma ideia do que se passava na superfície das estrelas. Propôs então que aproveitassem o eclipse de planetas, companheiros de 20% das estrelas com planetas observadas até hoje, para medir o tamanho das manchas escuras em sua superfície e outros indicadores de atividade estelar.
Adotando o planeta como uma espécie de régua astronômica, Adriana vem conseguindo medir com precisão jamais alcançada o tamanho, a temperatura, a localização e o tempo de vida das manchas estelares. Também calculou o período de rotação das estrelas e quanto elas giram mais rápido no equador do que nos polos. Com o italiano Antonino Lanza, ela testou a estratégia com a Corot 2, estrela semelhante ao que deve ter sido o Sol aos 500 milhões de anos, e mostrou que funciona. Em agosto, Adriana apresentou a análise da estrela Corot 6, semelhante ao Sol aos 3 bilhões de anos, em um simpósio da União Astronômica Internacional.
A partir de dados do campo magnético e da rotação de estrelas semelhantes ao Sol, Nascimento, Meléndez e Mello pretendem investigar o que ocorre abaixo da superfície estelar. “Estamos passando dos quantificadores externos, como a luminosidade e a temperatura, para os internos, como a zona convectiva e o campo magnético”, conta Nascimento, que está otimista com a qualidade e a quantidade de dados sobre análogas solares obtidos pelo Corot e outros programas. “Nos próximos 10 anos”, calcula, “deveremos encontrar uma estrela idêntica ao Sol”.
> Artigo científico
RIBAS, I. et al. Evolution of the solar activity over time and effects on planetary atmospheres. ii. κ1 Ceti, an analog of the Sun when life arose on Earth. The Astrophysical Journal. v. 714. 1o mai. 2010.
Muito bom !!!
ResponderExcluirNos orgulha muito os cientistas brasileiros que conseguem ir tao longe com tao pouco recurso..ainda mais sendo de Universidade do Nordeste. Parabenes !!!