NATURE/ VOL 465/ 10 JUN 2010
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Enquanto o presidente Lula prepara para deixar o governo, pesquisadores esperam que a inovação revigore a economia
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Por Anna Petherick
É raro que um chefe de Estado termine o segundo mandato com índices de aprovação de cerca de 80%. Mas quando o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, subiu ao palco no mês passado em uma conferência de ciência-política, sua popularidade era clara: mais de 3 mil cientistas, administradores e empresários se levantou para aplaudi-lo e para animar o seu ministro da ciência de cinco anos, Sergio Rezende.
Com um governo convencido de que a ciência é uma parte essencial de uma economia em crescimento, os pesquisadores brasileiros nunca conheceram tempos melhores, e a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Brasília, de 26 a 28 de maio, foi repleta de otimismo para um futuro ainda mais luminoso. Na conferência, Lula assinou uma série de projetos que ajudarão a sustentar o seu legado de investimentos em ciência depois que ele e Rezende deixarem seus cargos, em 1º de Janeiro de 2011. Os projetos de lei, se aprovados pelo Congresso Nacional, irão aumentar o financiamento para pós-doutorados e estabelecer três novos centros de pesquisa da biodiversidade, com o objetivo de reduzir ainda mais a fuga de cérebros do país e talvez até mesmo revertê-la.
A conferência vai entregar uma declaração de consenso da cúpula científica do Brasil de onde o seu programa de pesquisa deve focar na próxima década. O documento é suscetível de ser influente, diz Luiz Davidovich, diretor da Academia Brasileira de Ciências, um físico da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "A conferência é a primeira vez que os que estão no coração da ciência, e aqueles envolvidos de forma tangencial, foram todos trazidos juntos, e num momento em que as coisas estão realmente decolando", acrescenta Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, a fundação estatal de pesquisa de São Paulo. A declaração de consenso, que deverá ser publicada dentro de dois meses, será enviada a todos os candidatos presidenciais.
Uma sugestão importante que se espera estar na declaração é a promoção de centros de excelência. "Precisamos cuidar dos nossos Pelés, bem como construir mais campos de futebol", diz Brito Cruz. "O foco atual de financiamento é de novos centros, mas não há nenhum programa específico para financiar pesquisadores-estrelas." Outra proposta é oferecer mais incentivos para as empresas multinacionais realizarem pesquisa e desenvolvimento no Brasil.
Essas políticas se baseariam em uma fundação com recursos para investir. O Ministério da Ciência e Tecnologia diz que depois que Lula tomou posse, em 2003, o financiamento público e privado total em ciência e tecnologia subiu de R$ 21,4 bilhões para R$ 43,1 bilhões, em 2008 (ou de 1,26% para 1,43% do PIB) – em parte devido a Lula e às políticas implementadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Publicações por brasileiros em revistas científicas saltaram de 14.237, em 2003, para 30.415, em 2008, segundo dados analistas da Thomson Reuters.
Isso é impressionante, não só no contexto da América Latina, mas também em comparação com Rússia, Índia e China, por exemplo. Em 2000, o Brasil gerou 43% de publicações científicas da América Latina. A produção científica, desde então, melhorou em toda a região, mas, em 2008, as publicações brasileiras eram 55% do total. O Brasil tem pontos fortes em ciência agrícola; por exemplo, em 2000, um consórcio com sede em São Paulo se tornou o primeiro no mundo a seqüenciar o genoma de um patógeno de planta, a bactéria Xylella fastidiosa, que destrói as culturas de citros.
O Brasil gasta muito mais por investigador que a China ou a Rússia, de acordo com o seu Ministério da Ciência. "Acredito que chegamos a um ponto em que o setor vai crescer organicamente", diz Rezende. "Assim, a próxima pessoa responsável não terá que fazer muito."
A ciência também está indo bem no nível de cada Estado, estes que constituem uma fonte importante de financiamento público, embora os esforços para impulsionar a ciência sejam desiguais. Muitos estados estão procurando imitar o rico São Paulo, que tem a maior tradição científica. "Há um artigo de 1947, na Constituição do Estado de São Paulo", explica Brito Cruz."Ele diz que 1% de todas as receitas do Estado devem ir para pesquisa. Nenhuma outra agência de financiamento para a ciência, possivelmente no mundo inteiro, tem esse tipo de segurança financeira e autonomia (do governo federal)."
Os benefícios de ter um financiamento significativo separado de fontes federais foram sentidas mais intensamente na década de 1990, quando o governo do Brasil lutou com as tensões econômicas, como a hiperinflação. O financiamento para a ciência secou no resto do país, mas os pesquisadores em São Paulo experimentoaram perturbações muito menores. Recentemente, outros estados copiaram esta legislação. Além disso, três das grandes universidades estaduais de São Paulo recebem 9,57% do ICMS arrecadado pelo estado, dando-lhes um impulso único.
Mas, mesmo em São Paulo, o crescimento na pesquisa publicada não tem sido acompanhado pelo crescimento na pesquisa patenteada, que é fundamental para que a ciência revigore a economia e proporcione uma melhor qualidade de vida de 193 milhões de habitantes do Brasil. A maioria dos cientistas na conferência de maio concordaram que a solução deste problema é provavelmente o maior desafio para a ciência brasileira.
No início de seu mandato, governo Lula legalizou o financiamento de pesquisadores pelo governo via empresas privadas, e concedeu benefícios fiscais às empresas que investem em inovação. Mas o número de invenções patenteadas que sai do Brasil aumentou apenas ligeiramente desde que estas medidas foram aprovadas. "O problema é que os dirigentes da empresa têm a opção de colocar o dinheiro nas mãos de seus chefes de finanças para gerar um retorno nos mercados financeiros, ou nas de seu chefe de pesquisa e desenvolvimento, o que é arriscado e caro", diz Eduardo Viotti, da Universidade de Columbia, em Nova York, que aconselha o Senado brasileiro sobre a política de ciência. "No passado, pelo menos, pareceu menos arriscado para eles a apostar nos mercados financeiros".
A pesquisa e desenvolvimento privada está sendo impulsionada pela descoberta, em 2007, de grandes jazidas de petróleo ao largo da costa de São Paulo e Rio de Janeiro. Quando o petróleo começar a fluir, Lula prometeu que uma parte das riquezas será desviada para a ciência. O percentual exato ainda está sendo debatido, mas será definido antes de Lula e Rezende deixarem seus cargos.
As chances são boas de que os cientistas consigam boa parte do que pedirem em sua lista de consenso, mesmo depois da saída de Lula. Os líderes nas pesquisas para a eleição presidencial de outubro são José Serra, ex-governador da amiga da ciência São Paulo, e a ex-chefe da Casa Civil de Lula, Dilma Roussef, que deve continuar a sua política. Estes podem incluir o plano de elevar os gastos com ciência para 2% do PIB em 2020.
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