Ministério da Ciência e Tecnologia
NATURE MATERIALS/ VOL 69/ JUL 2010
Sergio Machado Rezende atuou por 5 anos como ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil. Nature Materials perguntou-lhe sobre o passado e o futuro da ciência em seu país.
Por Fabio Pulizzi
Como você ficou interessado em física?
Quando eu fiz meu primeiro curso de física na escola, fiquei imediatamente fascinado pela formulação rigorosa da mecânica clássica e a sua capacidade de descrever os fenômenos comuns através de equações simples. Solucionar problemas de física foi muito agradável para mim. No entanto, em 1950, a ciência fundamental realmente não oferecia oportunidades de carreira no Brasil, então eu decidi estudar engenharia, em vez disso. Depois de me formar em engenharia eletrônica no Rio de Janeiro, fui para o MIT, nos EUA, para fazer doutorado. Foi durante este período que os meus interesses se deslocaram de volta para o mais fundamental, ao invés dos aspectos baseados na aplicação dos materiais utilizados na eletrônica, e gradualmente me tornei um físico de materiais.
O que fez você decidir se tornar ativo na política, assim como na ciência?
Não foi realmente uma decisão deliberada, mas consequência do meu envolvimento com a administração e tomada de decisões durante a minha carreira científica. Após meu doutorado, voltei para o Rio, onde fui nomeado professor associado de física na Universidade Católica. No início dos anos 1970, mudei-me para Recife, capital do estado de Pernambuco, no nordeste do Brasil. Na verdade, eu fui enviado para lá em uma missão do Conselho Nacional de Pesquisa para estabelecer um departamento de física na Universidade Federal de Pernambuco. Como eu era o primeiro membro da faculdade de física com um grau de doutorado, era natural que eu me tornasse chefe do departamento. Eu era jovem e aprendi a realizar atividades administrativas paralelas à pesquisa. Na década de 1980, tornei-me reitor do Centro de Ciências Exatas e, no início de 1990, fui convidado a tornar-se diretor científico da recém-criada Fundação de Ciência de Pernambuco, a primeira agência estatal a apoiar a ciência e a tecnologia na região Nordeste. Eu consegui trabalhar nessas posições, enquanto permanecia ativo no ensino e na pesquisa. Em 1995, fui convidado para ser secretário de Estado de Ciência e Tecnologia por Miguel Arraes, o governador eleito, mesmo que eu não tinha envolvimento anterior com política, e em quatro anos ganhei uma experiência considerável na formulação de políticas e em executar programas de ciência e tecnologia.
Na sua opinião, como a ciência no Brasil tem evoluído nas últimas décadas?
Durante a segunda metade do século passado, o Brasil construiu um complexo sistema de ciência e tecnologia que hoje ocupa a décima-terceira no mundo em termos de publicações científicas, de acordo com o banco de dados da Thomson Reuters, à frente de países como a Holanda e a Rússia. Há mais de 100 mil pesquisadores ativos no Brasil de hoje, e nós temos um número considerável de cientistas e engenheiros fazendo pesquisa científica e tecnológica de nível internacional. Entre os exemplos mais conhecidos de sucesso da pesquisa brasileira estão os programas de biocombustíveis, perfuração e produção de petróleo em águas profundas pela Petrobras e o do agronegócio, em que altos níveis de produtividade foram possíveis pelo trabalho realizado pela Embrapa, a organização federal para a pesquisa em pecuária e agricultura.
E sobre o tempo em que tem sido Ministro da Ciência?
Precisamos ter em mente que construir um sistema tão complexo e mantê-lo funcionando exigiu um esforço enorme. A comunidade científica não tinha experiência e não havia cultura de inovação, não havia políticas de ciência e tecnologia constantes, ou investimentos substanciais e, por último mas não menos importante, não havia quase nenhuma conexão entre a pesquisa e a indústria. Houve momentos muito difíceis em que a falta de recursos era tanta, que levava à retenção dos pagamentos de bolsas para estudantes brasileiros no exterior. Felizmente, devido à firme prioridade dada pelo governo do presidente Lula à ciência, tecnologia e inovação na última década, a situação melhorou dramaticamente.
De que maneira? Os investimentos têm aumentado?
Sim. Em 2000, as despesas para a ciência e tecnologia foram da ordem de R$ 15,2 bilhões, o que equivale a 1,3% do produto interno bruto do Brasil (PIB). Em 2008, o investimento ultrapassou R $ 43 bilhões, atingindo 1,43% do PIB. Estes valores incluem o setor público federal, o financiamento dos estados individuais e de empresas públicas e privadas. A participação total do setor público é de 55% versus 45% das empresas. Uma parte importante deste financiamento é do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que hoje é uma parte importante do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ele foi criado em 1970, mas durante muito tempo sofreu com a escassez crônica de verbas. No entanto, em 1999, o governo anterior criou os chamados fundos setoriais, que são baseados na tributação de setores específicos da atividade econômica. Estes setores incluem a exploração dos recursos naturais, petróleo e produtos industriais específicos, e incluem taxas sobre as licenças para a aquisição de tecnologia estrangeira. Tais fundos setoriais agora são uma parte integrante do FNDCT, e tornaram possível o seu crescimento consistente. Para se ter uma idéia, o FNDCT desembolsou R$ 350 milhões, em 2002, e em 2010 o montante chegará a R$ 3,1 bilhões.
Que áreas de pesquisa vão se desenvolver mais como resultado desses investimentos?
Até agora, cientistas brasileiros contribuíram principalmente para alargar as fronteiras do conhecimento fundamental, e acredito que este processo vai se intensificar ainda mais. Os pesquisadores estão se tornando mais experientes, os jovens estão expostos a ciência de alta qualidade e as infra-estruturas para pesquisa está melhorarndo. E, em ciência aplicada e engenharia, haverá um esforço em todas as áreas que representam uma prioridade no plano internacional. Para listar alguns: a biotecnologia e a nanotecnologia; tecnologias da informação e de comunicações; saúde; energia; agronegócio; biodiversidade e recursos naturais; regiões da Amazônia e do semi-árido; meteorologia e mudanças climáticas; espaço e pesquisa nuclear.
Foram criados institutos de pesquisa de excelência nessas áreas?
Em parte. Três anos atrás, o governo lançou um programa para os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia com US$ 330 milhões, para dotar os centros de excelência estabelecidos com os meios de reforçar os seus recursos. Mas temos também criou novas instituições. Um deles é o Centro Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, em Campinas, São Paulo, com o objetivo de melhorar a tecnologia para produzir etanol a partir da celulose. Também criou um novo centro de microeletrônica, o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, e o Centro de Estudos da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais no Estado de São Paulo, para estudos de mudanças climáticas globais. Nós ampliamos alguns centros que estão sob a responsabilidade direta do Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, o Instituto Nacional de Estudos da Amazônia. Mas, além da criação de novos institutos e da expansão dos já existentes, o esforço real foi o de melhorar a infra-estrutura geral para a pesquisa, aumentar o número de investigadores e proporcionar-lhes condições adequadas para produzir bons resultados. Parte disso consistiu em elevar os salários dos cientistas que trabalham nas universidades e nos centros de pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Pesquisadores brasileiros costumavam ir para o estrangeiro para ganhar experiência. Isso está mudando agora?
Já mudou. É importante esclarecer que somente na década de 1950, com a criação de agências federais de apoio à ciência, o Conselho Nacional de Pesquisa e da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Faculdade, o Brasil começar a lançar os alicerces de uma comunidade científica. Isto foi feito principalmente por concessão de bolsas para pós-graduação no exterior, principalmente nos EUA e na Europa. O primeiro mestrado foi criado no Rio de Janeiro somente em 1963, e demorou vários anos para serem criados mestrados e doutorados em todo o país. É natural, portanto, que as primeiras gerações de cientistas brasileiros tenham estudado no exterior. Atualmente, as universidades e instituições de pesquisa estão bem equipadas, existem programas de pós-graduação excelentes em muitas universidades, e as agências financiadoras oferecem menos bolsas para estudos de pós-graduação no exterior. Por outro lado, a experiência de pesquisa em outros países ainda é considerada muito importante e graduados podem facilmente obter o apoio a programas de pós-doutorado no exterior. O governo também estimula a participação de jovens cientistas em trabalhos de "big science", que exige grandes investimentos e estrutura para participar em colaborações internacionais. Por exemplo, nós apoiamos a participação em programas de investigação dos grandes laboratórios americanos e europeus, tais como Fermilab e Cern para o estudo da física das partículas elementares, e grandes observatórios astronômicos, como o Observatório Austral para a Pesquisa Astronômica e o Gemini, no Chile.
Existe um esforço para aumentar o número de alunos de graduação em ciências?
Totalmente. O governo lançou alguns programas para estimular o interesse da ciência nas escolas. Um exemplo clássico foi a criação, em 2005, dos Jogos Olímpicos de Matemática somente para escolas estaduais. Antes, apenas cerca de 200 mil alunos por ano participariam de tais eventos, e eram majoritariamente de escolas particulares. Alunos de escolas estaduais não se sentiam confiantes o suficiente, então o governo decidiu criar uma competição apenas para escolas estaduais. Dez milhões de alunos participaram, no primeiro ano, número que subiu para 19 milhões, em 2009. Programas desse tipo estimulam o interesse pela matemática, e os melhores alunos podem obter bolsas de estudo e continuar a estudar o assunto em um nível superior. É claro que o interesse crescente na matemática contribui para estimular o interesse em ciência e engenharia também.
Você mencionou a mudança climática: como a ciência brasileira vai contribuir nesta área?
Devemos ter em mente que a mudança climática não é apenas uma teoria científica, mas também uma questão política, com consequências, econômicas, sociais e ambientais globais. O Brasil tem feito a sua posição sobre este assunto conhecida internacionalmente, assim como os seus bem-sucedidos esforços em reduzir emissões e reforçar a sua capacidade de pesquisa científica neste campo. Na recente conferência sobre mudança climática, em Copenhague, o Brasil anunciou o compromisso voluntário de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 37% em 2020, em relação aos valores normalmente aferidos. Tudo isso tendo em mente que o Brasil é uma sociedade relativamente de baixo nível de carbono. A indústria brasileira teve um recorde de baixas emissões de gases com efeito de estufa, e ainda há espaço para manter ou mesmo reforçar esta tendência, aumentando o uso de fontes renováveis. De acordo com dados do Balanço Energético Nacional de 2008, essa participação é de 45%, o que significa uma matriz energética limpa em comparação com a média mundial, que é de 13%. Um papel importante nesta contribuição é o dos biocombustíveis nos transportes. Com a invenção dos carros flex, feita por laboratórios no Brasil, o uso do etanol da cana de açúcar vem aumentando constantemente e se equiparou ao da gasolina. Uma das maiores contribuições para as emissões de gases com efeito de estufa, no passado, tem sido o desmatamento, mas esforços impressionantes foram feitos também na redução dessas emissões – que caíram cerca de 45%, em 2009, comparado com 2008. Estou convencido de que o Brasil está no caminho certo e contribuirá decisivamente para o esforço global para mitigar a mudança climática. Em relação ao trabalho científico nesta área, temos estabelecido uma ampla rede de laboratórios e grupos de pesquisa envolvidos em todos os aspectos da ciência da mudança climática, como a modelagem climática, as emissões do uso da terra e práticas de agricultura, biodiversidade e recursos naturais, entre outros. Esta rede é liderada por alguns dos cientistas mais experientes do Brasil, que participaram dos painéis internacionais, como o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, e tem a colaboração internacional forte.
O senhor é obviamente uma pessoa muito ocupada. Ainda é um pesquisador ativo também?
Estou no sentido de que continuo pensando em física, sigo a literatura, tento dar sugestões a colegas e alunos, e faço alguns cálculos, eventualmente publicando alguns papers. Mas, para ser considerado um pesquisador ativo na minha idade e com minha experiência, eu deveria estar envolvido em muitos outros temas de pesquisa. Eu provavelmente dedico 10% da minha energia e tempo para pesquisar, e isso inclui finais de semana, quando estou mais produtivo. Não é muito, mas permite-me manter em contacto com os desenvolvimentos na área que eu estou mais envolvido, que é a de fenômenos magnéticos em materiais nanoestruturados.
O senhor vai continuar ativo na política, talvez ainda como ministro, no futuro?
Eu definitivamente não vou ficar ministro, independentemente de quem seja eleito presidente para o próximo ano. Até 31 de Dezembro de 2010, eu terei estado envolvido de maneira intensa com política científica por oito anos, 2,5 anos como presidente da Financiadora de Estudos e Projetos e depois como ministro. Acho que isso é suficiente e me sinto recompensado pelos resultados alcançados. Também já comecei a me sentir desconfortável por passar a maior parte do meu tempo longe de casa e da família. Por fim, acredito que uma renovação de conceitos, idéias e práticas será sobretudo benéfica para nosso sistema científico e tecnológico, para mantê-lo saudável e fazer mais progressos.
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