8 de abr. de 2010

Folha de S.Paulo

28/03/2010
+(c)iencia
Ora, direis, ouvir ETs!

Busca por inteligência extraterrestre completa 50 anos sem sucesso, mas sem perder o ânimo, e se volta para a iniciativa privada para sobreviver; radiotelescópios em construção nos EUA são nova arma do programa Seti.

The Allen Telescope Array
Antenas já construídas da Allen Telescope Array, em Hat Creek, Califórnia; Paul Allen, cofundador da Microsoft, deu US$ 25 milhões para o projeto, uma rede de 350 radiotelescópios.

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando o astrônomo Frank Drake, 79, fala da Allen Telescope Array -a rede de 350 radiotelescópios em construção no norte da Califórnia por US$ 50 milhões- dá risada ao se lembrar do que estava fazendo há exatos 50 anos. Naquela época ele inaugurou a linha de pesquisa para a qual o projeto foi concebido: a busca de sinais enviados por extraterrestres.
Em 1960, Drake trabalhava no Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA, e em 8 de abril apontou seu equipamento para o céu pela primeira vez na esperança de ouvir uma transmissão de rádio enviada por ETs. Usando um único radiotelescópio de 26 metros, de propriedade do laboratório, ele conta como era seu equipamento auxiliar.
"Usávamos um radiorreceptor amador Hammerland, registrávamos nossos dados com papel e caneta e deixávamos a postos um gravador de fita de rolo Will & Tuck, para que gravássemos os sons dos extraterrestres e suas saudações, caso nos deparássemos com eles", conta. "Tudo isso custou US$ 2.000, o máximo que podíamos gastar sem alguém do Congresso dos EUA reclamar que estávamos desperdiçando dinheiro dos contribuintes."
O relato acima é a versão que Drake, hoje professor emérito da Universidade da Califórnia, apresentou em fevereiro deste ano em San Diego no encontro anual da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência) sobre a história. A entidade havia preparado um simpósio especial em antecipação às comemorações do cinquentenário do Projeto Ozma, nome do programa inaugural da linha de pesquisa que os astrônomos chamam hoje de Seti (sigla em inglês para busca de inteligência extraterrestre).

Comemoração tímida
Esse aniversário, porém, acabou adquirindo um tom meio melancólico: cinco décadas depois, como sabemos, o Seti ainda não achou nenhum sinal enviado por ETs. E não foi por falta de dedicação. Durante sua história, o projeto contou com centenas de horas de busca nos melhores radiotelescópios. Um deles foi o do Observatório de Arecibo, em Porto Rico, usado também para enviar uma mensagem a possíveis ETs.
O silêncio dos extraterrestres, por fim, acabou por suscitar uma discussão entre os cientistas sobre se o tipo de sinal que os telescópios esperavam achar -similares a uma transmissão de TV- não seriam fracos demais para serem detectados após viajarem uma centena de anos-luz. Há alguns anos, Drake começou a investigar os fortes sinais de radares militares para aprender a achar outros parecidos no cosmo.
"Visitei no ano passado as instalações de um radar militar no Alasca", conta o pesquisador, que diz tê-lo feito sem autorização. "Entrei lá de carro carregando um analisador espectral, tirei-o do porta-malas, montei-o, comecei a trabalhar, e ninguém veio me perguntar o que eu estava fazendo. Eu achava que ia ser preso."
A despeito do espírito aventureiro de Drake, outros pesquisadores acham que não vale mais a pena procurar por esse tipo de sinal nos projetos de Seti. Alguns já estão deixando de lado a busca por mensagens de rádio e esperam encontrar flashes luminosos enviados intencionalmente pelos ETs.
Paul Horowitz, da Universidade Harvard, em Cambridge, Massachusetts, montou um equipamento no observatório da instituição com esse fim específico. Para ele, a falta de resultado das iniciativas de Seti durante cinco décadas não é motivo para pessimismo.
"Para decidir se devemos ser otimistas ou pessimistas, a pergunta que importa é se os tipos de busca que estamos fazendo agora têm a capacidade de ter sucesso", disse o astrônomo à Folha. Segundo ele, o maior ânimo para o projeto agora, na verdade, vem de outro campo de pesquisa da astronomia: a caça de planetas extrassolares.
"A descoberta de centenas de planetas em volta de outras estrelas não era uma proposição óbvia dez anos atrás", diz. "Agora que sabemos que a natureza adora produzir planetas, devemos ficar mais otimistas."

A volta do dinheiro

Horowitz também comemora que as iniciativas de Seti têm conseguido se recuperar do golpe que receberam em 1992, quando a Nasa deixou de patrocinar trabalhos. Agora, os projetos precisam buscar financiamento privado, mas não têm tido problema nisso. A Allen Telescope Array, por exemplo, recebeu esse nome porque metade do seu custo é bancada pela fundação de Paul Allen, cofundador da Microsoft.
Na busca óptica, o barateamento das tecnologias também ajudou. "Aqui em Harvard, não gastamos mais do que US$ 30 mil por ano no Seti", diz Horowitz, que já fora criticado pelo biólogo Ernst Mayr, cético sobre a vida extraterrestre, por gastar dinheiro da universidade. "Hoje, há pessoas que entendem do que se trata nosso trabalho, acreditam na busca e estão dispostas a patrocinar."
Projetos ambiciosos como os defendidos por Drake, porém, dificilmente vão emplacar sem dinheiro da Nasa. Um deles é construir um radiotelescópio na face oculta da Lua, livre de poluição eletromagnética. Pobres ou ricos, porém, cientistas do Seti ainda não sabem responder à pergunta que os patrocinadores mais costumam fazer: quando os ETs serão encontrados?
"Frank dizia que seria no ano 2000. Em 1999, conversei com ele sobre isso, e ele pareceu meio tímido", conta Horowitz. "É impossível dizer quando vai acontecer, mas vai acontecer, e vai ser monumental. O que devemos fazer, por enquanto, é continuar explorando."
Mesmo sem saber sua chance de sucesso, ele diz estar pronto para esse dia. "Alguém já deixou uma garrafa de champanhe aqui no laboratório, mas ela ainda está fechada."

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