Marcelo Gleiser
Folha de São Paulo - 10/04/2011
Dentro da sua validade, teorias funcionam bem; mas dizer que a ciência detém a verdade é demais.
EM SEU ENSAIO "Absence of Mind", a romancista e ensaísta americana Marilynne Robinson, que venceu o prêmio Pulitzer por seu romance "Gilead", critica cientistas como Richard Dawkins e Steven Pinker por seus ataques à fé e à religião.
Robinson declara que a postura desses cientistas é essencialmente fundamentalista, baseada na doutrina do "cientismo", que prega que a ciência é o único modelo explicativo válido. "As certezas que, juntas, trivializam e menosprezam, precisam ser revisitadas", escreveu.
Eis, resumidamente, o argumento de Robinson: não há dúvida de que a ciência é uma belíssima construção intelectual, com inúmeros triunfos no decorrer dos últimos quatro séculos. Porém, sua visão de mundo é necessariamente incompleta.
Reduzir todo o conhecimento aos métodos da ciência acaba por empobrecer a humanidade. Precisamos de diversidade cultural, e essa diversidade inclui, entre outras, a cultura das religiões.
O que faz com que cientistas tenham tanta confiança no seu saber? Afinal, a prática da ciência apoia-se em incertezas; uma teoria funciona apenas dentro de seus limites de validade. Teorias são testadas constantemente e seus limites são expostos. É justamente dos limites de uma teoria que surgem outras..
Portanto, para que a ciência avance é necessário que ela falhe.
As verdades de hoje não serão as mesmas de amanhã. Veja, por exemplo, a noção de que a Terra é o centro do cosmo, plenamente aceita até o século 17. Claro, dentro de sua validade, teorias funcionam extremamente bem e, dessa forma mais restrita, podemos chamá-las de verdadeiras. Mas afirmar que a ciência detém a verdade é ir longe demais.
Escrevo não como uma crítica à ciência -isso seria contradizer a minha obra!-, mas como uma espécie de toque de despertar aos que pregam a ciência como dona da verdade. É necessário ter mais cuidado.
Robinson examina vários casos, expondo seus pontos fracos e os abusos da retórica científica. Porém, ela não é imune aos abusos de sua retórica. Por exemplo, ela critica a análise de Steven Pinker sobre o "Bom Selvagem": "Será que é razoável argumentar contra o mito do Bom Selvagem baseando-se na cultura do século 20? O que nos parece primitivismo pode ser algo bem diferente. Não posso deixar que uma análise tão falha seja difundida".
Em 2006, Robinson publicou uma resenha do livro de Dawkins, "Deus, um Delírio", na qual critica o biólogo duramente. Robinson acusa Dawkins de usar argumentos científicos onde eles não são pertinentes. Por exemplo, quando Dawkins critica a ideia de que Deus é o criador do Universo, afirmando que a ideia não faz sentido: como o Universo começou simples, Deus não poderia ser complexo para conseguir criá-lo.
Dawkins conclui que Deus contradiz a teoria da evolução, pois já surge complexo. Robinson contra-ataca dizendo que aplicar teorias científicas a Deus não faz sentido. Mesmo sendo agnóstico, tenho de concordar com ela.
Muito da ciência e da religião vem da necessidade que temos de encontrar sentido e significado em nossas vidas. Simpatizo com a necessidade de humildade e autocrítica nas ciências defendida por Robinson. Espero, porém, a mesma atitude de líderes religiosos e teólogos.
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
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