4 de abr. de 2011

Quem teme a Singularidade?

São Paulo, domingo, 27 de março de 2011


MARCELO GLEISER


A crença na imortalidade por meio das máquinas lembra outra muito antiga, no triunfo da alma humana




VOCÊ ESTÁ preparado para virar um deus? "A Singularidade Está Próxima" é um documentário dirigido por Anthony Waller e codirigido pelo famoso inventor e autor Ray Kurzweil. No Brasil, existe a tradução do seu "A Era das Máquinas Espirituais", pela editora Aleph. Eis a sinopse do filme:

"No século 21, nossa espécie vai se libertar do seu legado genético e atingirá um nível inimaginável de inteligência, progresso material e longevidade; consequentemente, a definição de "ser humano" será enriquecida e transformada. O celebrado futurista Ray Kurzweil apresenta uma visão que é a culminação dramática de séculos de desenvolvimento tecnológico e que transformará o nosso destino".

De acordo com Kurzweil, o avanço tecnológico e, em particular, o avanço na velocidade de processamento e de memória de dados, é tão rápido que em breve atingiremos um ponto no qual máquinas serão capazes de superar o cérebro humano. Ele prevê que a humanidade atingirá um ponto final, a "Singularidade". De lá em diante, algo novo e imprevisível, talvez um híbrido de máquina e humano, talvez apenas máquina, existirá, matéria inanimada imitando a vida em estado de animação virtual.

A esperança de Kurzweil e outros entusiastas da Singularidade é que velocidades altas de processamento, mais o acesso ilimitado a dados, podem simular o cérebro: máquinas com altíssima complexidade computacional podem criar uma ultrainteligência emergente. Humanos, preparem-se, pois o seu fim está próximo! E a data foi marcada para 2045.

Kurzweil não é nem bobo nem louco. Apesar de ter vários críticos, é um inventor reconhecido, vencedor de vários prêmios. Stevie Wonder foi o primeiro a comprar a sua máquina de leitura para cegos; seus sintetizadores são famosos.

Ele fundou a Universidade da Singularidade, hospedada no Centro de Pesquisa Ames, da Nasa, e parcialmente financiada pelo Google, na qual executivos fazem cursos para se preparar para a Singularidade. (Lembram os evangélicos se preparando para o Apocalipse.) Kurzweil quer mais do que máquinas ultrainteligentes; quer ser imortal também. Acredita que a morte é uma doença curável, e que os avanços da medicina e da genética permitirão estender a longevidade indefinidamente. Esses seres imortais não serão de carne e osso, mas máquinas espirituais dotadas de nossa consciência e memória. A felicidade, e outras qualidades e emoções, como a generosidade e o ódio, terão de ser repensadas.

Teremos de rever tudo, e o pior é que nem sabemos como começar.

"Singularidade" significa um ponto no qual nosso conhecimento deixa de funcionar, onde as leis deixam de ser leis. Será que devemos levar isso a sério? Sim, devemos.

Apesar de várias questões (a extrapolação de Kurzweil é baseada em dados passados; não há garantia que funcionará no futuro), nossa simbiose com as máquinas de silício é cada vez maior. Você vê isso na rua, com as pessoas e seus celulares e bluetooths como extensões de seus braços e ouvidos. Por outro lado, a crença na Singularidade me parece a versão moderna duma crença muito antiga, a do triunfo final da alma humana.

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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

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