20 de dez. de 2011

Buraco negro pode estar prestes a estraçalhar e consumir uma nuvem de gás e poeira do tamanho de um planeta

Scientific American Brasil

Via-Láctea

Todos nós, não só os astrônomos, temos um fascínio evidente pelo que acontece quando a matéria é sugada para as entranhas de um buraco negro. Até agora, assistimos de camarote como estes trituradores de lixo cósmico agem na Via Láctea e em galáxias distantes. Mas, pela primeira vez, parece que conseguimos assentos na primeira fila, atrás do buraco da orquestra.

Nos próximos anos, o enorme buraco negro no centro da nossa galáxia destroçará e consumirá uma nuvem de gás e poeira com a massa de um planeta pequeno.

Em cerca de 18 meses, o objeto recém-descoberto se aproximará do orifício cósmico no centro da nossa Via Láctea. Sua órbita irá transportá-lo para quase 36 horas-luz do buraco negro, cerca de duas vezes a distância que agora separa a nave Voyager 1, da NASA, do Sol.

É quando as coisas podem ficar interessantes. Um grupo de astrônomos relata, em estudo publicado on-line em 14 dezembro, pela Nature, que o buraco negro deve estraçalhar a nuvem de gás e puxá-la para dentro, produzindo um aumento detectável de emissões de raios-x conforme o gás se comprime e aquece. Dependendo de como a nuvem se desfaz, o buraco negro pode se alimentar dela pelos próximos anos, aumentando de forma significativa o brilho tênue que emana de sua borda, seu horizonte de eventos, e proporcionando uma visão única de sua digestão para os astrofísicos.

“Na verdade, nunca vimos antes algum buraco negro no universo se alimentando”, relata o coautor Stefan Gillessen, astrônomo do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, em Garching, Alemanha. “Agora temos a chance de assistir algo caindo dentro.” Gillessen e seus colegas identificaram o objeto e determinaram sua trajetória usando o Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul, no Chile.

Muitas estrelas orbitam o buraco negro central da Via Láctea, que contém a massa de quatro milhões de sóis. Mas um objeto com uma ligação tão fraca quanto uma nuvem de gás não sobreviveria à intensa atração gravitacional no centro galáctico. Gillessen e seus colegas estimam que a bolha recém-descoberta tenha três vezes a massa da Terra, e dizem que já está sendo distorcida pela irresistível força de atração do buraco negro, conforme se alonga em direção à sua maior aproximação, em 2013. Por vezes chamados “espaguetificação”, os efeitos gravitacionais extremos esticam objetos em queda em direção ao buraco negro em longos fios. “Vemos isso acontecendo com esta nuvem”, diz Gillessen. "Está sendo rompida, bem diante de nossos olhos. Observamos o efeito espaguete acontecendo”.

A queda, que deveria ser observável com telescópios de grande porte, como o VLT, e os telescópios Keck, na Terra, e o Chandra X-ray Observatory, da NASA, em órbita, poderia dar novas pistas sobre os arredores do buraco negro da Via Láctea. Seria capaz ainda de fornecer novas informações sobre o comportamento dos buracos negros supermaciços, encontrados nos centros de todas as grandes galáxias.

Mas a previsão de uma queda se baseia na conclusão que o objeto estirando para realizar um sobrevoo do supermaciço buraco negro no centro da Via Láctea é de fato uma bolha solta de gás e não algo muito mais resistente. Andrea Ghez, astrônoma da University of California, Los Angeles, que estuda a região circundante do buraco negro, suspeita que o objeto na entrada seja, na realidade, uma estrela. Se assim for, ela poderia sobreviver a essa passagem perto do buraco negro sem ser estraçalhada: astrônomos já viram estrelas passarem a 11 horas-luz do buraco negro da Via Láctea e sobreviverem para fazer outra órbita.

Já que o objeto apareceu em observações do VLT em alguns comprimentos específicos de ondas infravermelhas, os cientistas puderam estimar sua temperatura. A nuvem, dizem eles, tem apenas perto de 550 kelvins (275ºC), que equivaleria a aproximadamente um décimo da temperatura de superfície do Sol e, portanto, fria demais para ser uma estrela. Mas Ghez afirma que poderia ser uma estrela envolta em material interestelar.

“Eu não apostaria minha casa na interpretação deles”, argumenta Ghez. “É a diferença entre algo extraordinário e algo bastante comum.” Diferentemente da maioria dos mistérios astronômicos, este deve realmente ser resolvido em breve.



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