5 de ago. de 2010

Domador do caos

Folha de São Paulo - 01/10/2010

Perfil ARTUR ÁVILA
Estudando sistemas abstratos que evoluem no tempo, o matemático Artur Ávila resolveu problemas que estavam em aberto havia décadas e ganhou projeção internacional aos 31 anos.

Luciana Whitaker/Folhapress
Imagem do matemático Artur Ávila refletida na janela de sua sala


RAFAEL GARCIA
ENVIADO AO RIO

Quando o matemático Artur Ávila, 31, chegar à Índia para dar uma palestra daqui a duas semanas, enfrentará dois desafios pessoais. "Não gosto de falar para muita gente nem de fazer apresentação eletrônica -uso quadro negro", diz. O prestígio de ministrar uma conferência plenária no maior dos eventos de sua área, porém, compensa o desconforto.

Ávila, matemático brasileiro cujo trabalho mais cresceu em projeção nos últimos anos, foi um dos escolhidos para falar à plateia principal do encontro da União Matemática Internacional, que neste ano é realizado na cidade indiana de Hyderabad.

Não raro, aqueles eleitos para a tarefa também acabam recebendo a Medalha Fields, prêmio com peso acadêmico equivalente ao Nobel. Apontado por colegas próximos como possível laureado, Ávila diz que tudo não passa de desinformação.

"Isso é uma coisa que já está decidida, e quem vai receber [a medalha] já foi avisado", afirma. "Eu, por exemplo, sei que não ganhei."

Concedendo entrevista à Folha de bermuda e chinelo de dedo em sua sala no Impa (Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada), no Rio de Janeiro, Ávila passa mesmo uma imagem de certa modéstia e sinceridade.

É comum no meio matemático, porém, certo blefe nos dias que antecedem a entrega do prêmio quadrienal no encontro da União Internacional. Ganhadores da medalha -que podem ser até quatro- são escolhidos com meses de antecedência, mas é de bom tom não sair comemorado em público.

Em anos passados, nomes de alguns premiados vazaram no meio acadêmico antes do encontro e chegaram à imprensa. Mas a medalha de 2010 continua secreta.



DINAMISMO ABSTRATO

Ávila já ganhou prêmios importantes por solucionar problemas difíceis na área de sistemas dinâmicos, campo teórico que estuda transformações ocorridas em função do tempo. Surgiram como ferramenta da física com Isaac Newton (1643-1727), que os usou para descrever movimentos de planetas.

Uma das classes de problema com que o brasileiro trabalha nasceu na física quântica, quando Erwin Schrödinger calculava o comportamento de partículas no início do século 20. Suas equações acabaram ganhando vida própria na abstração matemática, pelo desafio intelectual que representavam.

"Não tenho nenhum interesse em saber sobre as partículas de fato", diz Ávila, que, no entanto, montou uma teoria geral para entender os "operadores de Schrödinger". Alguns dos problemas que o trabalho do brasileiro solucionou estavam pendentes desde a década de 1960.

Em muitos dos enigmas abordados pelo matemático brasileiro, a intenção é saber como um sistema pode evoluir de uma ordem ditada por poucas regras para situações complexas beirando o caos -transição de fase como a de um sólido que vira gás.

Um exemplo clássico vem da demografia. Quando uma população é pequena e os recursos à sua disposição são fartos, ela cresce. Se atinge tamanho a ponto de esgotar os recursos, porém, o crescimento deixa de ser linear e passa a ser regulado por uma regra matemática diferente.

Entender zonas de transição entre esses estados não é trivial, sobretudo quando pessoas viram abstrações matemáticas. A formulação dos objetos com que Ávila trabalha é tão complicada que palestras sobre o assunto podem ficar incompreensíveis até para matemáticos.

"Na Índia, vou fazer uma palestra bem geral, para as pessoas que estão trabalhando em outras áreas terem chance de pegar algo", diz.

Quando é algum amigo leigo que pede explicação sobre seu trabalho, porém, ele deixa claro que vive num universo quase impenetrável.

"Em geral, não tento explicar", diz "Se percebo que a pessoa está perguntando sem ter disposição de fazer o esforço necessário para entender, não adianta nada."



Precocidade marcou carreira de pesquisador

DO ENVIADO AO RIO

Com currículo incomum para sua idade, Artur Ávila divide hoje o tempo entre sua sala no Impa -com vista para a floresta da Tijuca- e um cargo de diretor no Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, em Paris.

"Gosto de conciliar as coisas boas de lá com as coisas boas daqui", diz. "Lá a matemática tem uma atmosfera mais desenvolvida, com mais coisas diferentes, e aqui a atmosfera é mais focada. Mas as duas são importantes."

A posição de conforto, que o permite se dedicar só a assuntos de seu interesse, foi conquistada com uma excelência precoce.

Após ganhar medalha de ouro numa olimpíada de matemática internacional, Ávila começou a assistir a aulas de mestrado quando ainda estava no ensino médio. Concluiu a graduação na mesma semana em que tirou o diploma de doutorado.

Hoje, o matemático já tem 45 estudos publicados em periódicos de elite. Sem pressão por produtividade, pode se dar ao luxo de seguir seu ritmo.

"Muitas pessoas têm vocação, mas não se dão conta de que a matemática é algo interessante para se fazer, onde se pode ter uma carreira boa", diz.

(RG)

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