3 de ago. de 2010

Encontro às escuras - Cientistas do mundo todo se reúnem na Ilha de Páscoa para observar o eclipse total do Sol e entender melhor alguns dos segredos da estrela

ISTO É – EDIÇÃO 2123 – 16/07/2010

André Julião



PERSPECTIVA

Eugênio, Jucira e Victor (abaixo): estudos na Ilha de Páscoa (acima)
permitirão entender influência do Sol na Terra.




No domingo 11, os galos que vivem na Ilha de Páscoa tiveram o momento mais surreal de suas curtas vidas. Durante cinco minutos, a Lua encobriu o Sol e, de repente, o dia virou noite. As aves, que cantam sempre ao alvorecer, soltaram seus pulmões depois de uma “noite” de meros cinco minutos – o tempo do eclipse total do astro, desta vez visualizado por completo apenas na ilha perdida no Pacífico, o ponto mais isolado do planeta.
Apesar de curioso, o fato foi o menos relevante para as oito mil pessoas presentes no local, metade delas forasteiros. “Foi um momento de euforia”, conta o astrônomo Alexandre Andrei, chefe do Girasol (Grupo de Instrumentação e Referência em Astronomia Solar), do Observatório Nacional, que presenciou o fenômeno. O eclipse total acontece quando o Sol, a Lua e a Terra se alinham. Mesmo a estrela sendo 400 vezes maior do que o satélite, a distância faz com que a segunda pareça estar sobre a primeira. Na maior parte das vezes que esse fenômeno ocorre, no entanto, ele não é visível por completo de nenhum lugar em terra firme – só no oceano.


O evento natural fez dobrar a população do antigo lar da civilização rapa nui – famosa por suas estátuas de pedra, os moais. Além dos turistas, astrônomos da França, Índia, Alemanha, Noruega, dos EUA e Japão estavam na festa, digna de uma convenção científica. “O eclipse é ideal para medir o diâmetro do Sol, pois as bordas aparecem bem definidas”, explica Jucira Penna, astrônoma que observa o astro desde 1977 e é parte da equipe do Girasol que ficou no Brasil.

Assim como Andrei, foram para a ilha os astrônomos Victor d’Ávila e Eugênio Reis, além do óptico Sandro Coletti. O time levou um instrumento que nenhuma outra equipe possuía. Desenvolvido no Brasil, o heliômetro é usado para medir o diâmetro do Sol e observar suas manchas. “Elas mostram a atividade solar, cujo interior está sempre em movimento”, diz d’Ávila, projetista do instrumento. “Esse movimento é um dos fatores que definem o aquecimento global”, explica. O objetivo maior do heliômetro, no entanto, é entender como funciona a fotosfera, a parte mais brilhante da estrela, responsável por quase toda a energia solar.

Por fora, o instrumento não é muito diferente de um telescópio comum. A posição de seus espelhos e um filtro solar, no entanto, o tornam único. A criação brasileira é, na verdade, uma reinvenção. O primeiro aparelho com esse nome foi criado há mais de 300 anos. Naquela época, ele foi usado para medir as variações do diâmetro do Sol e assim determinar com maior precisão a órbita da Terra. Em 1838, o instrumento foi resgatado para medir a distância das estrelas em relação ao nosso planeta. A nova versão foi feita há cinco anos e o seu modelo portátil levado para a ilha há dois.

Segundo d’Ávila, existem três causas para o aquecimento do planeta. Uma delas é a evolução natural do clima – com fenômenos como o El Niño –, as ações do homem e a atividade solar. Um exemplo dessa última influência é a chamada “Miniera Glacial” ocorrida na Europa entre 1645 e 1715. Naquela época, o frio intensificou-se ao mesmo tempo que o Sol teve seus índices de atividade mais baixos – fenômeno conhecido como Mínimo de Maunder.



Com as 200 imagens capturadas na Ilha de Páscoa, os pesquisadores brasileiros pretendem provar que o instrumento pode medir o Sol com alta precisão e ainda comprovar que o diâmetro solar não é estável. “Quando entendermos melhor a fotosfera, de onde emana quase toda a energia solar, poderemos compreender ainda mais sua influência na Terra”, diz Andrei. Os dados coletados pelos brasileiros serão analisados em parceria com astrônomos da Universidade de Nice, na França.

Independentemente dos resultados, os moradores da Ilha de Páscoa já consideram o fenômeno uma bênção para o lugar, evacuado em fevereiro por causa do terremoto que abalou o Chile. “Eles acharam ótimo esse tipo de turista curioso, que pode também querer saber mais sobre a ilha”, lembra Andrei. É o caso de uma austríaca hospedada no mesmo hotel da equipe brasileira. Para não perder o fenômeno, sua reserva foi feita há sete anos.

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