Folha de São Paulo - 15/11/2010
Físicos da USP descobriram que partículas contidas no vácuo podem provocar "explosão" de astros inteiros
Por sumir em frações de segundos, influência dessas partículas era desconsiderada por outros pesquisadores
SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Físicos brasileiros descobriram que, em certas circunstâncias, a energia do vácuo pode crescer de forma descontrolada, levando até à destruição quase instantânea de estrelas inteiras.
À primeira vista, parece uma contradição em termos. Pela física clássica, o vácuo- que é definido como a ausência de qualquer coisa- deveria ter conteúdo zero.
Ocorre que, no misterioso reino da mecânica quântica, que rege o comportamento das menores coisas do Universo, o espaço vazio está sempre sendo preenchido pela existência das chamadas partículas virtuais.
Elas podem ser prótons, elétrons, fótons ou quaisquer outras. Seu diferencial com relação à matéria e energia tradicionais é que elas surgem e desaparecem em uma fração de segundo.
A energia para essa efêmera vida sai do vácuo.
Como essas partículas não duram muito, sempre se imaginou que esses efeitos de flutuação seriam irrelevantes num contexto macroscópico.
Daí veio a surpresa do estudo conduzido por Daniel Vanzella, físico da USP em São Carlos, e William Lima, seu estudante de doutorado.
Ao efetuar uma combinação desses efeitos quânticos com a ação da gravidade (como descrita pela teoria da relatividade), eles descobriram que, em certas circunstâncias, o crescimento da energia do vácuo poderia, em tese, acontecer de maneira exponencial e descontrolada.
MISTÉRIO ANTIGO
"Na época do meu doutorado, apareceu um resultado que a gente não entendeu. Não era essencial para nós, então deixamos na gaveta", afirma Vanzella.
Quando foi fazer seu pós-doutorado nos EUA, Vanzella teve a ideia para o trabalho atual: o resultado estranho poderia ser a energia do vácuo atuando no sistema.
Foi o que ele e Lima concluíram, em estudo publicado em abril no periódico "Physical Review Letters", descrevendo o que chamaram de "despertar do vácuo".
Em outro trabalho, agora com seu antigo orientador do doutorado, George Matsas, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Vanzella investigou especificamente o efeito do "despertar do vácuo" em sistemas conhecidos, como estrelas de nêutrons -os objetos mais densos do Universo que podem ser observados diretamente.
Ao calcular o efeito que a gravidade nas imediações de uma estrela de nêutrons teria sobre o vácuo, eles descobriram que certas configurações (dependendo da massa e do raio do astro) poderiam, em tese, "despertar o vácuo".
"Em um milésimo de segundo, a energia do vácuo dispara e passa a ser maior que a energia da própria estrela", conta Matsas.
Os físicos não sabem o que aconteceria a seguir. De toda forma, seria um catastrófico e violento para o astro.
Hipótese para "explosão" de estrelas precisa de mais estudos
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Embora a nova pesquisa também tenha obtido resultados animadores, de forma alguma chegou-se à palavra final sobre o assunto.
Um aprofundamento dos estudos será necessário para descobrir o que exatamente acontece com a estrela quando o vácuo é despertado -é um dos próximos passos.
Com isso, seria possível procurar eventos misteriosos detectados pelos astrônomos que hoje não têm uma explicação muito satisfatória e ver se eles se encaixam no cenário da fúria do vácuo.
Falta também fazer a mais crucial das observações: será que esse fenômeno existe realmente?
Para identificá-lo em seus cálculos, os cientistas usaram algumas aproximações que podem ou não ter uma correspondência com a realidade. Somente uma combinação de observações e análises mais refinadas poderá encontrar alguma evidência prática da fúria do vácuo. (SN)
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