Scientific American Brasil
Megapartículas podem indicar matéria escura – e muito mais
por George Musser
©ESA/NASA, projeto AVO e Paolo Padovani
Há alguns anos, em uma palestra, o astrofísico Trever Weekes comparou as partículas elementares comuns a pernilongos: são muitas e fáceis de encontrar – na verdade, elas é que nos encontram. Mas raios gama de energia ultra-alta, segundo ele, são como elefantes: bastante raros, mas estão entre as maiores das criaturas. Eles geralmente vagam por habitats espetaculares, e seu próprio peso testa os limites das leis da natureza.
Apesar de eles serem possivelmente a radiação eletromagnética mais poderosa conhecida pela ciência – fótons com energia por volta de um teraelétron-volt (TeV), a energia cinética de um pernilongo concentrada em um único quantum – uma vez usados todos os superlativos do dicionário, o que mais se pode dizer? Na época em que assisti à palestra de Weekes, astrônomos haviam encontrado o grande total de 12 fontes celestiais de raios gama com TeVs, e eram sempre os mesmos suspeitos: buracos negros gigantes e seus parentes. Os teragamas não revelaram nada a respeito da ecologia do Universo que os astrônomos já não soubessem.
Tudo isso mudou nos últimos anos. Observatórios catalogaram 136 fontes de TeVs, o suficiente para começar a fazer astronomia sistemática. Essas fontes apresentaram resultados impressionantes, questionando a sabedoria convencional sobre pulsares e trazendo informações sobre a matéria escura.
Os blazares, buracos negros gigantes que por acaso estão orientados de modo a podermos olhar para dentro do cilindro de jatos que espirram (ver imagem), são a maior categoria de fontes de teragama fora de nossa galáxia. Eles já são bem extremos, mas alguns brilham com a intensidade de mil galáxias como a Via Láctea e podem variar seu brilho por um fator de cinco em apenas uma hora – um intervalo intrigantemente curto, rápido demais para a luz ir de uma extremidade do buraco negro a outra. “Esses são alguns dos animais mais selvagens do zoológico astronômico”, compara o astrofísico Chuck Dermer. “Suas luminosidades são simplesmente incríveis”.
Superlativos à parte, no ano passado Christoph Pfrommer, Philip Change e Avery Broderick propuseram que teragamas de blazares têm um papel pouco apreciado no aquecimento do gás intergaláctico. A injeção de energia térmica evitaria que esse gás se transformasse em galáxias – especialmente galáxias pequenas, com campos gravitacionais fracos demais para superar sua tendência à dissipação. Isso pode resolver um dos problemas da cosmologia moderna: o fato de que a matéria escura deveria formar o núcleo de várias mini-galáxias, mas que não parece fazê-lo.
Os blazares listados no catálogo TeV são apenas uma pequena fração dos que existem por aí. Para os nossos instrumentos, todos os outros são uma única mancha, formando um brilho difuso que se espalha pelo céu. Na década de 90, o satélite Compton mediu esse fundo de raios gama a uma energia de 0,1 TeV. Mas com o sucessor do Compton, o satélite Fermi, o brilho de fundo parecia tão diferente que era como se os astrônomos o vissem pela primeira vez. O observatório anterior parecia estar mal calibrado para as energias mais altas.
O lado positivo é que os blazares não são as únicas coisas que banham nosso céu em um brilho difuso de raios gama de alta energia. Dermer explica que eles são responsáveis por apenas um sexto do fundo. O resto deve vir de pulsares, colisões de raios cósmicos produzidos por supernovas, e talvez do decaimento ou aniquilação de partículas de matéria escura. “Ainda não conseguimos explicar a intensidade do fluxo isotrópico”, lamenta o físico Steve Ritz, um dos líderes do projeto Fermi. Astrofísicos se reuniram para discutir esse mistério durante uma reunião especial da American Astronomical Society em Anchorage, na semana passada.
Os pulsares são outro exemplo de como medidas recentes obrigaram os teóricos a voltar para a lousa. Por direito, essas estrelas de nêutrons hiperdensas deveriam estar destituídas de raios gama de energia muito alta. Apesar de essas estrelas poderem produzir gamas desse tipo perto de sua superfície, a magnetosfera a seu redor deveria destruí-los. Os gamas produzidos a altitudes maiores, em comparação, deveriam ser muito mais fracos. “Muitas pessoas nos desencorajaram em relação à pesquisa de emissões de pulsares”, lembra o astrônomo de raios-gama Nepomuk Otte.
Assim, Otte destaca que poucos prestaram atenção quando o observatório Magic encontrou indícios de pulsos de alta-energia do pulsar no centro da Nebulosa do Caranguejo. Mas ele e seus colegas continuaram a pesquisa e, no ano passado, os observatórios Fermi e Veritas confirmaram fótons com até 0,4 TeV. “Isso mudou a ideia que temos sobre a produção de raios gama no pulsar do Caranguejo”, explica Otte. Uma nova ideia é que feixes de elétrons e pósitrons carregam energia para a magnetosfera exterior e convertem-na em raios-gama por lá. Os astrofísicos já sabiam que as estrelas de nêutrons eram complicadas, mas não tãocomplicadas.
Os maiores curingas da astrofísica de teragamas são os chamados aceleradores escuros: fontes de gama TeV que os astrônomos ainda devem classificar como outra coisa; eles não parecem corresponder a nenhuma estrela, nebulosa ou qualquer outro corpo discernível. Eles são tentadoramente marcados na base de dados como “UNID”. Eles podem acabar sendo sistemas conhecidos, como nebulosas com pulsares, mas há sempre a esperança que sejam matéria escura ou outra espécie nunca antes vista.
Para saber de fato o que está acontecendo, os astrônomos precisam de mais do que 136 fontes de TeV. Mil seria mais adequado. Assim, agora planejam a próxima geração de observatórios com telescópios espalhados por um quilômetro quadrado de terra.
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