28 de nov. de 2011

O mestre do método científico

São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2011
MARCELO GLEISER

O protagonista da série "House" é defensor da dedução lógica para chegar a uma conclusão racional.

Imagino que a maioria de vocês conheça a megassérie da Fox, "House", agora em seu oitavo ano. Para quem não conhece, o enredo é mais ou menos assim: em um hospital perto de Princeton, nos EUA, trabalha o genial e genioso Dr. Gregory House -representado magistralmente por Hugh Laurie-, líder de um time de médicos especializados em diagnósticos complicados, aqueles que nenhum outro médico consegue decifrar.
À sua incrível intuição, o doutor House une sua irreverência e um conhecimento enciclopédico do corpo humano e de suas sutilezas. Excêntrico, não confia em ninguém, principalmente nos seus pacientes. Ele é um modelo do cientista dedicado à aplicação do método científico, defensor da dedução lógica para se chegar a uma conclusão racional. Na série, o rei é o método empírico.

Um paciente chega com uma série de sintomas misteriosos. House e seu time começam suas investigações, tentando antes as explicações mais óbvias. Em geral, estas falham e eles têm de pensar mais profundamente e, muitas vezes, de forma não convencional, sobre quais são as causas dos sintomas.

O primeiro passo é combinar toda a evidência disponível. Sua arma básica é o ceticismo. Fazem baterias de testes, coletando mais dados, tentando decifrar o quebra-cabeça. Uma causa plausível deve conectar todos os sintomas, dando sentido aos dados. De certa forma, cada diagnóstico é uma descoberta, uma ponte conectando informação de modo inesperado e inovador.

A ciência de ponta muitas vezes funciona da mesma forma: dados são obtidos, conexões são buscadas, hipóteses são construídas e testadas, comparando-as aos dados experimentais. Se funcionam, isto é, se explicam o que está ocorrendo, são aceitas preliminarmente até mais dados serem colhidos.

O processo de teste é contínuo, até que haja suporte suficiente para a hipótese. Ela é então aceita, até que novos dados possam vir a contradizê-la. A ciência avança por meio de seus fracassos. Novas ideias são necessárias quando as velhas não podem explicar as observações. Portanto, não há explicações finais, apenas explicações melhores.

Em "House", e na medicina em geral, quando uma hipótese diagnóstica é considerada razoável, medicação é receitada para curar a doença. Se funciona como é previsto, ótimo: o paciente fica curado e o médico vai em frente, tentando curar outros. Se não funciona, o processo começa outra vez. Na série, novas ideias são discutidas em reuniões de grupo, onde sintomas e resultados de testes são comparados e discutidos, hipóteses são propostas e debatidas em conjunto. Essas discussões são essenciais para que novas ideias surjam. Na pesquisa, é muito comum que ideias nascidas como conjecturas ganhem corpo e expressão. Mesmo que o doutor House em geral tenha razão, o processo é válido, e imita o que ocorre em laboratórios e centros de pesquisa pelo mundo afora.

Claro, o doutor que cura os outros não sabe como se curar. Ou não quer. É difícil combinar objetividade e subjetividade, algo que imagino que muitos telespectadores saibam. Talvez devamos ouvir as sábias palavras de Sócrates, que há mais de 24 séculos já dizia que o essencial é conhecer a si mesmo.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook:http://goo.gl/93dHI




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