Folha de São Paulo
RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON
Carta redescoberta inocenta físico de usurpar descoberta da expansão do Universo
Uma carta achada nos arquivos da Real Sociedade Astronômica britânica pôs fim a acusações que vinham manchando o nome de um dos cientistas mais importantes da história.
O documento absolve Edwin Hubble (1889-1953) de ter tentado roubar do padre belga Georges Lemaître (1894-1966) o mérito por mostrar que o Universo está em expansão.
Hubble, americano mais conhecido por ter um telescópio espacial com seu nome, geralmente recebe o crédito pela descoberta, anunciada em 1929. Dois anos antes, porém, Lemaître chegara à mesma conclusão.
Pesquisadores sugeriam que a disputa por primazia tinha envolvido desonestidade por parte de Hubble, mas uma carta de Lemaître, descoberta pelo historiador e astrônomo Mario Livio, contraria essa ideia.
Hubble costuma ser citado como autor da descoberta porque seus cálculos lhe permitiram chegar à conclusão sem muita margem para dúvida. O belga fora o primeiro a sugerir que o Cosmo estava se expandindo, mas sua estimativa da taxa de expansão era mais imprecisa. Antes de 1930, um não conhecia o trabalho do outro.
Uma hipótese que surgiu recentemente é a de que, depois disso, Hubble teria tentado atrapalhar a divulgação dos trabalhos de Lemaître. Uma aparente pista era uma tradução do estudo do padre feita para o inglês, em 1931, em que as partes mais importantes do trabalho haviam sido apagadas.
BRUXELAS
O artigo original, publicado nos "Anais da Sociedade Científica de Bruxelas", falava abertamente sobre o Universo em expansão.
A tradução do artigo para o inglês na renomada revista "Monthly Notices of the Royal Astronomical Society", porém, tinha equações faltando, e a principal referência ao Universo em expansão sumira.
"Parece que o tradutor do artigo de Lemaître de 1927 apagou deliberadamente essas partes do texto", escreveu Sidney Van Den Bergh, astrônomo do Conselho Nacional de Pesquisas do Canadá, num artigo em que analisou as duas versões.
Essa sabotagem, porém, era só aparente. Na carta de 1931 descoberta por Livio, Lemaître se dirige ao editor da revista inglesa se identificando como autor da tradução. Diz ter modificado o original apenas porque gostaria de apresentar a ideia da expansão do Universo separadamente, em um outro estudo, mais detalhado.
Naquele ano, ele já havia compreendido a principal implicação de sua descoberta: o Big Bang, a explosão que deu origem ao Cosmo.
"Tenho a impressão de que Lemaître era mesmo uma pessoa bastante modesta", disse Livio à Folha. "Certamente ele não estava obcecado com a primazia."
Na opinião do astrofísico historiador, o crédito deveria ser compartilhado.
A carta reveladora foi enfim publicada na revista "Nature", e Van Den Bergh elogiou o "trabalho de detetive" de Livio. Mas ele defende que Lemaître detenha sozinho a primazia pela descoberta, e discorda que fosse "desapegado" com relação a essa questão.
"Em 1961, Lemaître me contou que, por ser padre, sentia certo viés em favor da ideia de que o Universo tinha sido criado", disse. "Deve ter sido, portanto, um prazer especial para ele ter sido o primeiro nesse quesito", diz Van Den Bergh.
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