Pinturas semelhantes às encontradas no Codex de Dresden são descobertas na Guatemala
Ilustração por William Saturno and David Stuart © 2012 National Geographic
Tabela de números em quatro colunas representa intervalos específicos que são múltiplos do calendário maia e podem ter relação com os ciclos da Lua e dos planetas.
Arqueólogos descobriram o que parece ser a mais antiga evidência até o momento da sofisticada astronomia e dos rituais de contagem do tempo dos antigos maias.
A descoberta – datas, tabelas e representações de divindades lunares pintadas e gravadas nas paredes de uma pequena câmara – foi feita no ano passado, na floresta tropical da Guatemala, durante escavações na cidade maia de Xultun. O local era uma próspera metrópole há cerca de 1200 anos, o que corresponde a várias das datas presentes no mural.
“Desconfiamos que fosse o local de trabalho de um sacerdote, escriba ou astrônomo”, suspeita David Stuart, antropólogo da University Texas, em Austin, e co-autor de um estudo sobre as pinturas, publicado naScience.
As tábuas se parecem com as encontradas no Codex de Dresden, um livreto feito de cascas de árvore que data do final do Período Pós-Clássico da civilização maia, começando por volta de 1300. As pinturas de Xultun são as únicas fontes encontradas que representam informações astronômicas do período Maia Clássico (por volta de 250-900).
As chances de as pinturas terem sido conservadas e descobertas eram poucas. Apesar de os arqueólogos mapearem Xultun nas décadas de 20 e 70, as escavações só começaram em 2010. “Durante esse intervalo o local foi muito pilhado, absolutamente destruído”, lamenta Bill Saturno, arqueólogo da Boston University, em Massachusetts, que está à frente da escavação de Xultun e é co-autor do artigo.
Em março de 2010, o estudante Max Chamberlain, aluno de Saturno, verificou uma das escavações que haviam sido pilhadas e encontrou uma parede exposta, com traços de tinta vermelha e branca. Saturno decidiu escavar mais 30 centímetros e descobriu a pintura de um dos governantes de Xultun sentado em seu trono, usando um brilhante cocar de penas azuis.
foto por tyrone turner © 2012 national geographic
A conservadora Angelyn Bass limpa e estabiliza parte de um mural com a figura
de um homem que pode ter sido um escriba.
“Não é comum encontrar pinturas. Elas não costumam ser bem preservadas, a menos que haja condições ambientais especiais”, observa Saturno. “O fato de essa ter sido tão bem preservada é muito peculiar”. Os maias reforçaram a sala cuidadosamente com uma mistura de pedra, terra e cerâmica antes de selar a porta, em vez de colapsar o teto e nivelá-lo por cima, como era comum ao se fazer novas construções.
Saturno continuou escavando e observou que todas as paredes apresentavam pinturas adornadas com hieróglifos maias. A equipe também encontrou um artefato: um dispositivo usado para cortar papel feito de casca de árvores. Hieróglifos cobriam a parede leste e, em alguns casos, as imagens haviam sido recobertas para abrir novo espaço para escrita. Dois conjuntos se destacaram: um arranjo de números maias, representados por barras e pontos, na parede norte, e uma tabela de números de 27 colunas, na parede leste.
Durante a noite, quando podiam maximizar o contraste e destacar os detalhes da pintura, os pesquisadores escanearam as imagens do mural. Alguns dos símbolos não estavam bem preservados e tiveram que ser reconstruídos posteriormente com base no conhecimento pré-existente sobre os cálculos dos calendários maias.
Números harmoniosos
Uma análise feita por Stuart revelou que a tabela de 27 colunas representava datas, com 177 ou 178 dias entre si. No topo de cada coluna era representada uma divindade lunar diferente. Sabe-se que os maias registravam os movimentos da Lua em semestres de 177 e 178 dias – ou seis meses lunares. A tabela é semelhante a uma de multiplicação associada à tabela de eclipses lunares do Códice de Dresden e “pode ter sido usada para calcular qual deus seria o patrono da Lua em determinado dia”, supõe Stuart.
A tabela na parede norte continha quatro números, cada um deles representando um intervalo de dias específicos que vai de 965 a 6703 anos. Segundo os pesquisadores, os quatro números são múltiplos de um calendário maia cíclico de 52 anos e poderiam representar eventos recorrentes relacionados aos ciclos da Lua, de Vênus, Marte e possivelmente Mercúrio.
“Os maias eram obstinados com a ideia de proporção e costumavam procurar números que fossem múltiplos de diferentes inteiros”, explica Anthony Aveni, um dos co-autores e arqueoastrônomo da Colgate University em Hamilton, Nova York. “Acho muito provável termos encontrado guardiões do calendário tentando juntar grandes números harmoniosos que fazem o Universo fluir”.
Outros especialistas acreditam que a descoberta pode ser o tipo de trabalho matemático necessário para calcular as informações de calendário do Códice de Dresden e de outras fontes.
“Um local assim teria que existir, mas é a primeira vez que o encontramos”, comemora Harvey Bricker, arqueoastrônomo do Museu de História Natural da Flórida, em Gainesville e professor emérito da Tulane University, em Louisiana.
“É um vislumbre da relação entre essas pinturas e códices”, reforça John Carlson, diretor do Centro para Arqueoastronomia em College Park, no estado de Maryland. “Mas não podemos ter certeza sobre o porquê de essas inscrições terem sido feitas”.
Como o calendário maia é frequentemente mal representado na cultura popular como um mensageiro do apocalipse – opinião que a maior parte dos acadêmicos não compartilha –, as perguntas na coletiva de imprensa inevitavelmente se voltaram para esse assunto. Quando pressionados, os autores concordaram que alguns dos maiores números encontrados na câmara poderiam se referir a intervalos que se estendem além de b’ak’tun 13 – uma data maia popularizada como marcando o fim do mundo.
Os pesquisadores identificaram 12 outras inscrições gravadas ou pintadas além das que foram descritas no artigo da Science e a análise da escavação de Xultun continua. “Ainda temos 99,9% a explorar”, ressalta Saturno. “Continuaremos trabalhando nisso por muitas décadas”.
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