Folha de S.Paulo - 29 de junho de 2011
Mecanismo biológico desse senso de direção magnético pode ser parecido com o de espécies de aves migratórias.
Gene de pessoas, que foi inserido em moscas-de-frutas, permitiu que 'bússola interna' de insetos funcionasse.
RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON
O mecanismo biológico de insetos que funciona como uma bússola pode existir também em pessoas. Um estudo sobre essa capacidade mostrou que uma proteína das células humanas é similar à do sistema de navegação das moscas-das-frutas.
O trabalho, realizado por biólogos da Universidade de Massachusetts, produziu insetos transgênicos para avaliar a hipótese. O experimento envolveu a implantação de um gene humano nas moscas para averiguar o seu papel.
A ideia veio do laboratório de Steven Reppert, que há oito anos estuda a capacidade de orientação espacial de borboletas-monarcas, insetos capazes de migrar do leste dos EUA para o México todo ano sem errar o caminho.
O biólogo suspeitava que as proteínas responsáveis pela façanha eram os criptocromos. A função principal delas é no relógio biológico que marca a duração do dia. Quatro anos atrás, conseguiu provar que estava certo, fazendo um experimento com moscas, animais mais práticos de manusear em laboratório.
TROCA-TROCA
"O que fizemos agora foi substituir a proteína de moscas pela proteína humana e avaliar se ela teria a mesma capacidade de atuar como receptor magnético. E ela tem", disse Reppert àFolha.
"Isso não significa que ela esteja exercendo esse mesmo papel em humanos, mas achamos que seria empolgante levantar a possibilidade de pessoas serem capazes de sentir campos magnéticos."
Teorias sobre magnetopercepção humana tiveram algum prestígio no início da década de 1980, quando o biólogo britânico Robin Baker publicou o livro "Navegação Humana e o Sexto Sentido".
A obra de título com apelo místico caiu no gosto dos adeptos da Nova Era, mas outros cientistas acabaram desistindo da ideia após tentarem replicar os experimentos de Baker sem sucesso.
Reppert cita o trabalho de Baker em seu último estudo na revista "Nature Communications", mas lança uma hipótese um pouco diferente. Para ele, caso a magnetopercepção exista em humanos, sua função não seria a de mostrar os pontos cardeais.
"Chamar esse mecanismo de bússola talvez seja um pouco de exagero", diz Reppert. "Uma bússola ajuda um animal a manter uma direção constante, como no caso das aves migratórias. O que estamos propondo é que o criptocromo teria mais a ver com o modo como humanos percebem o espaço."
Segundo o cientista, relacionar a magnetopercepção com a visão humana foi uma ideia natural, pois os criptocromos atuam na regulação do relógio biológico humano com auxílio da luz.
"A capacidade de sentir campos magnéticos já foi comprovada em diversos animais. Não existe nenhuma razão para descartar de antemão que ela exista em humanos", afirma Reppert.
O biólogo afirma que pretende continuar seus experimentos com moscas e borboletas, mas não planeja estudar humanos pessoalmente. "Se nossa abordagem estiver certa, porém, espero que nosso estudo estimule uma revisão dessa área de pesquisa."
Defensor original da ideia hoje virou romancista
DE WASHINGTON
A reputação das ideias e a dos cientistas que as criam podem andar separadas.
Robin Baker, o biólogo britânico que começou a defender a hipótese da magnetopercepção humana na década de 1980, não convenceu a comunidade científica. Seu trabalho, porém, pode agora ser resgatado pela biologia molecular.
Os experimentos originais de Baker nada tinham a ver com genes e proteínas. O que ele fez foi grudar ímãs na cabeça de voluntários para verificar se isso tornaria mais difícil uma tarefa de orientação espacial. Segundo seu relato, deu certo.
Depois, decidiu estudar biologia reprodutiva e cunhou outra teoria polêmica: a dos espermatozoides kamikazes. Segundo ele, a competição entre espermatozoides de mais de um macho dentro de uma fêmea leva à evolução de gametas que "matam" competidores.
Mais uma vez, a hipótese não obteve comprovação.
Baker hoje se aposentou como pesquisador, escreve romances e mora com mulher e família na Espanha.
O britânico tinha tudo para ser considerado um derrotado, mas autores do novo trabalho sobre magnetopercepção citaram respeitosamente suas pesquisas.
"O trabalho de Baker era muito interessante, mas não teve muita continuidade", diz Steven Reppert, autor do novo trabalho. (RG)
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