30 de set. de 2011

Estudo que desafia Einstein sofre críticas

Folha de São Paulo


Equipe que detectou neutrinos viajando mais rápido do que a luz enfrentou bombardeio de físicos ainda céticos.

Cientista-chefe rebateu ataques e ganhou elogio de vencedor do Nobel; começa a corrida para confirmar os dados.


RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON

No clássico de humor "O Guia do Mochileiro das Galáxias", o escritor Douglas Adams afirma: "Nada no Universo ultrapassa a velocidade da luz. A única exceção são as más notícias, que obedecem a leis próprias".
A piada resume o clima de mal-estar com o qual a comunidade de físicos recebeu o anúncio de que partículas chamadas neutrinos teriam viajado mais rápido que a luz.
Ontem, físicos que conduziram a observação finalmente fizeram um anúncio oficial e tiveram de enfrentar o ceticismo dos demais cientistas.
No experimento Opera, um feixe de neutrinos (partículas eletricamente neutras e quase sem massa) foi produzido no centro de pesquisas nucleares Cern, em Genebra (Suíça), e enviado até um detector no Laboratório Nacional Gran Sasso, na Itália, a 730 km. Chegou lá 60 bilionésimos de segundo mais adiantado do que a luz.
E a notícia correu também mais rápido do que a ciência. O anúncio já havia se espalhado na imprensa anteontem, quando os autores do trabalho abriram o acesso na internet a um estudo ainda sem revisão independente.

NO TWITTER
Só ontem o Cern organizou entrevista coletiva com os físicos, com perguntas via Twitter e transmissão em vídeo. Dario Autiero, líder do estudo, mostrou seus resultados com algum esforço para contemplar uma audiência que incluía de jornalistas leigos a físicos veteranos.
Quando sua apresentação chegou ao vigésimo gráfico detalhando a metodologia do experimento, a plateia local começou a ficar inquieta.
Alguns físicos já reclamavam que seria preciso ser especialista em sincronização de relógios atômicos por GPS para tentar compreender como as medidas eram obtidas no experimento. Jornalistas questionavam se um aparato de laboratório tão complexo e tão cheio de peças não seria vulnerável a falhas.
Autiero tentou mostrar que seu grupo de pesquisa levou em conta margens de erro para todo tipo possível e imaginável de interferência. Os resultados, afirma ele, permanecem sólidos após seis meses de rechecagem.
"O sr. levou em conta a rotação da Terra?", perguntou um físico que se levantou na platéia. "Sim", respondeu.
Até a interferência causada por carros no túnel de uma rodovia no caminho dos neutrinos foi considerada.
"Conseguimos que uma das faixas da estrada fosse bloqueada por algum tempo, mas só teríamos obtido mais precisão nas medições com um bloqueio completo", disse Autiero. A polícia rodoviária italiana negou o pedido, mais preocupada com congestionamentos de carros do que com o excesso de velocidade de neutrinos.
No geral, os físicos presentes respeitaram a maneira como o pesquisador rebateu as críticas mais técnicas.

ELOGIO DE NOBEL
Por fim, Samuel Ting, Prêmio Nobel em Física de 1976, estava presente e parabenizou Autiero. "O experimento foi feito muito cuidadosamente, com os erros sistemáticos bem checados", disse.
Elogios à parte, poucos físicos teóricos ficaram satisfeitos. Muitos acham difícil crer que a relatividade especial, teoria de Einstein que foi desafiada continuamente por mais de cem anos e sobreviveu a todos os testes até agora, esteja errada num de seus aspectos mais fundamentais.
É mais fácil acreditar em algum problema em Gran Sasso do que reescrever toda a física do século 20.
Num evento em que jornalistas pareciam ter medo de entrar na discussão, coube a um representante do Instituto de Física do Reino Unido fazer a pergunta mais constrangedora: "Vocês têm medo de passar ridículo caso se descubra que tudo isso se deve a um erro sistemático?".
Autiero respondeu, indiretamente, à pergunta. "Apesar de nossas medidas terem baixa incerteza sistemática e alta precisão estatística, e de nós termos alta confiança em nossos resultados, estamos ansiosos para poder compará-los com outros experimentos", ponderou ele.
Especulações teóricas sobre como explicar a anomalia dos neutrinos já surgiram ontem, apesar do ceticismo. A mais popular sugere que as partículas teriam atravessado uma dimensão oculta do espaço, pegando um "atalho" para chegar mais cedo.
Nenhuma teoria anterior, porém, havia previsto esse tipo de fenômeno.

SAIBA MAIS

Teste definitivo demora ao menos um ano

DE WASHINGTON

Cientistas devem levar no mínimo um ano para tentar realizar um novo teste sobre a velocidade dos neutrinos.
Um experimento americano, o Minos, vai entrar em sua segunda etapa até o fim do ano que vem e poderá confrontar os dados. Se o trabalho realizado na Itália teve alguma falha, provavelmente isso vai transparecer.
O Minos analisa um feixe de neutrinos que é emitido no Fermilab, na periferia de Chicago, e percorre 735 km até a mina de Soudan, no Minnesota, onde encontra o detector. (RG)



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