São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2011
MARCELO GLEISER
O Universo não é uma 'coisa' como uma estrela; estudá-lo significa analisar tudo o que detectamos dentro dele.
O que é essa coisa que chamamos de Universo? Parece uma daquelas perguntas triviais. Um cínico já diria: "E eu com isso, ora? Tenho mais o que fazer!"
Na realidade, entender a natureza do Universo é entender quem somos e como nos encaixamos no mundo. Para ver isso, basta considerar como uma pessoa do século 16 pensava o Cosmos. A Terra, inerte, era o centro da criação e tudo girava à sua volta: Lua, planetas, estrelas, cada qual levado por uma esfera cristalina. O Cosmos era esférico e finito como uma cebola. Após a última esfera celeste, a esfera das estrelas, encontrava-se outra: a Primum Mobile. Sua função era dar movimento a todas esferas internas.
Além dela estava o Empíreo, a parte do céu sob domínio de Deus e suas criaturas divinas. Uma hierarquia vertical definia a vida das pessoas: os virtuosos poderiam finalmente ascender ao céu. A geometria cósmica e o destino dos mais pios eram indissolúveis.
Tudo mudou quando Copérnico e, mais dramaticamente, Galileu, Kepler, Descartes e Newton estabeleceram o Cosmos heliocêntrico. Newton, em particular, afirmou que apenas num Universo infinito o colapso gravitacional poderia ser evitado. Num Universo infinito, a verticalidade que havia definido a busca espiritual das pessoas se perdia. Mesmo assim, o Cosmos newtoniano permaneceu estático.
Tudo mudou quando Copérnico e, mais dramaticamente, Galileu, Kepler, Descartes e Newton estabeleceram o Cosmos heliocêntrico. Newton, em particular, afirmou que apenas num Universo infinito o colapso gravitacional poderia ser evitado. Num Universo infinito, a verticalidade que havia definido a busca espiritual das pessoas se perdia. Mesmo assim, o Cosmos newtoniano permaneceu estático.
Quando chegamos a Einstein no século 20, as coisas ficaram mais sutis. O espaço e o tempo formam uma entidade única, o espaço-tempo.
Essa matriz quadridimensional é dinâmica, respondendo à distribuição de matéria e energia.
Com Einstein, o espaço e o tempo ganharam plasticidade. Estudar o Universo não significava apenas estudar o que existia no Universo, mas o Universo em si. A separação entre o Universo e as coisas que ele contêm não era mais possível.
Como, então, definir o Universo? Uma primeira resposta seria "o conjunto das coisas que existem no volume de espaço que podemos medir".
Que coisas? Galáxias, estrelas, planetas, aglomerados de galáxias, buracos negros, enfim, os objetos que detectamos com nossos instrumentos, determinando suas propriedades físicas, como massa, composição química e rotação.
Existem também coisas que medimos e não sabemos ainda o que são, como a matéria e a energia escura. E, também, coisas que ainda não sabemos existir. Mas o Universo é mais do que o conjunto das coisas que ele contêm, certo?
O Universo não é uma "coisa", da forma que uma estrela é uma coisa. Medimos propriedades que atribuímos ao Universo, como as flutuações de temperatura da radiação cósmica de fundo ou a taxa de expansão cósmica. Mas essas medidas são de coisas que existem no Universo. A inferência que esse afastamento representa a expansão do Universo vem a posteriori, no contexto da teoria de Einstein que mostra que a geometria cósmica pode se expandir ou ser contraída.
Será, então, que o Universo é a solução da equação obtida da teoria de Einstein? Não, porque para obtermos essa equação e suas soluções fazemos uma série de aproximações. Não devemos cair no erro de equacionar um modelo com a coisa que ele modela. O Universo é mais um conceito do que uma coisa.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook:http://goo.gl/93dHI
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