16 de jul. de 2010

Cenário XXI - De olho na misteriosa energia escura

Correio Popular - 02/07/2010

Projeto de brasileiros e espanhóis estudará um dos mais intrincados fenômenos do Universo
Patrícia Azevedo
DA AGÊNCIA ANHANGUERA


De tempos em tempos, cientistas criam máquinas e novas tecnologias para tentar responder perguntas angustiantes, como “de onde viemos?”, “quem somos”, “por que existem as coisas?”. Nos últimos anos os avanços tecnológicos, revertidos em ferramentas caras e sofisticadas, vêm lançando mais luzes sobre o origem da vida e do Universo. Com o LHC, o grande colisor de partículas instalado na Europa, por exemplo, pesquisadores de várias partes do mundo pretendem recriar a explosão que teria originado o Universo. Agora, com o auxílio de um supertelescópio, um grupo de astrofísicos e cosmólogos espanhóis e brasileiros pretende estudar e caracterizar a misteriosa energia escura que estaria levando à aceleração da expansão do Universo.

O projeto chamado Physics of the Accelerating Universe (PAU) prevê a construção de um telescópio robótico que será usado para fazer um levantamento completo do céu. Segundo o astrofísico Renato Dupke, do Observatório Nacional e coordenador do projeto no Brasil, o telescópio permitirá uma análise celeste muito mais precisa. “Ele obtém luz em frequências específicas e consegue espectro de baixa resolução de todos os objetos”, explica.

O telescópio terá 2.5 metros de diâmetro (T250) e um campo de visão de 3 graus de diâmetro. Será dotado de uma câmera construída pelo Brasil e equipada com um sistema inédito de 42 filtros de banda estreita que fornecerá espectros de baixa resolução para todos os objetos observados no levantamento. O equipamento custará 14 milhões de euros e começou a ser construído na província de Aragon, na Espanha. O sistema será instalado no pico de Buitre, Sierra de Javalambre, em Teruel, a 1.957 metros de altura, e em uma das regiões mais escuras da Europa. “Essa região foi escolhida porque tem uma visibilidade impressionante. Além disso, há uma estabilidade da atmosfera”, explica Dupke.

A construção da câmera fotográfica, responsabilidade do Brasil, está orçada em U$ 2 milhões. Parte da verba já foi aprovada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o projeto já foi iniciado. A previsão do coordenador do projeto no Brasil é a de que a construção seja concluída em 2012.

Dupke diz que dados preliminares da pesquisa podem ser obtidos dois anos após o telescópio entrar em operação. A expectativa do grupo de pesquisadores é que em quatro anos seja possível divulgar os primeiros resultados da pesquisa.

Inicialmente, as imagens coletadas serão usadas em pesquisas sobre a suposta energia escura, que compõe 75% do Universo e ainda assim é um mistério para os astrônomos. Os outros 25% do Universo seriam compostos por matéria escura. Deste total, apenas 5% são de matéria bariônica, aquela que forma nossos corpos, o mundo palpável ao nosso redor, a Terra e todos os outros planetas e estrelas. Ela consiste de prótons e nêutrons — os chamados bárions — e de elétrons.

Matéria escura é o nome que se dá a um tipo de matéria que se aglomera em galáxias mas não emite nem interage com a luz. “A energia escura é o nome dado ao candidato para ser responsável pela expansão acelerada do Universo. Ela exerce (e sofre) repulsão gravitacional, ao contrário de tudo o que conhecemos”, explica o professor do Instituto de Matemática da Unicamp, Alberto Saa.

Regra no jogo cosmológico foi quebrada

Após o Big Bang, o Universo começou a se expandir. Por causa do efeito da gravidade, a expansão reduziu o ritmo e parou, o que está de acordo com as teorias tradicionais, as “regras” da física usadas para explicar o Cosmo e sua dinâmica. Um exemplo simples: jogue uma bola para cima e em algum ponto a gravidade da Terra vai fazer ela perder velocidade e cair de volta. Mas, na realidade cosmológica, em algum momento no passado o Universo voltou a se expandir de uma forma ainda mais acelerada, como se a bola de nosso exemplo, em vez de cair, subisse mais alto e a uma velocidade maior. Uma regra aparentemente foi quebrada e estudos sobre a inusitada aceleração prometem mudar alguns rumos da física moderna, rompendo paradigmas e trazendo novas interpretações. Para explicar isso, porque a bola não para de subir cada vez mais rápido, há outras respostas possíveis. “Qualquer que seja a resposta é uma evolução na física e há muitos projetos que estão tentando resolver essa questão”, comenta o astrofísico Renato Dupke.

Expansão foi descoberta nos anos 20, por Hubble

Pesquisa de astrônomo que dá nome a telescópio abalou o próprio Einstein

Nos anos 20, Edwin Hubble, que dá o nome ao conhecido telescópio espacial, descobriu que o Universo está em expansão.

Na ocasião, conta Alberto Saa, professor titular do Instituto de Matemática da Unicamp, essa ideia surpreendeu o próprio Albert Einstein, que achava que o Universo devia ser estático. “Hubble chegou a essa conclusão a partir da velocidade com que galáxias distantes se afastam de nós. De acordo com Saa, ainda não se sabe ao certo as consequências dessa expansão. “Difícil dizer. Muito provavelmente, nada que afete o nosso dia a dia.

Do ponto de vista de pesquisa fundamental, porém, as conseqüências são profundas, já que não se sabe exatamente a origem da aceleração da expansão”, diz.

Explicar o que leva a esse fenômeno é, nas palavras do cientista, “um dos grandes mistérios atuais da física”. “A aceleração é bem descrita por um termo extra nas equações de Einstein pertinentes para descrever a evolução do Universo, mas o entendimento da natureza desse termo ainda não é satisfatório”, explica Saa. A ciência tem algumas hipóteses do que pode ter acelerado. Uma delas é a Teoria Geral da Relatividade geral, que é considerada a teoria básica para a descrição da evolução cosmológica.

Vácuo quântico

Outra explicação seria o vácuo quântico. O físico-matemático explica que o vácuo não é vazio, tem alguma coisa lá. Sempre sobrará alguma coisa, que recebe o nome de "radiação de ponto zero", que nada mais é do que uma certa quantidade de energia que não pode ser extraída.

A grande questão, ainda não respondida, é se essa energia de vácuo seria suficiente para explicar a expansão acelerada, ou, em outras palavras, se a energia escura é de fato ou não alguma manifestação da energia do vácuo quântico. (PA/AAN)

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