9 de jul. de 2010

A importância de não saber

Folha de São Paulo - 04/07/2010

Marcelo Gleiser
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Experimentos sem teoria são prosaicos e teorias sem experimentos são cegas;
Einstein concordaria.
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Vivemos em tempos privilegiados. Ao menos no que diz respeito à cosmologia e à física de partículas. Para um cientista, nada mais empolgante do que ter em mãos novas tecnologias capazes de testar teorias. Às vezes, são décadas antes que máquinas possam investigar realidades distantes do nosso dia a dia. Mas, um dia, as ideias são testadas. E aí, é a glória ou a lata de lixo.

A história da cosmologia nos últimos cem anos ilustra bem isso. Albert Einstein foi o primeiro a propor um modelo para o cosmo, baseado em sua teoria da gravidade, a relatividade geral. Isso se deu em 1917, antes de ele ter qualquer razão para supor um Universo que muda com o tempo. Daí ter proposto o mais simples, um cosmo estático e esférico.

Entre 1917 e 1929, ano em que Edwin Hubble descobriu a expansão cósmica, vários modelos surgiram, com todo o tipo de comportamento. Em 1922, o russo Alexandre Friedmann sugeriu que o cosmo poderia expandir-se para sempre ou chegar a um tamanho máximo e se contrair. Daí, poderia alternar expansão e contração indefinidamente.

Einstein não gostou das ideias de Friedmann. Mas em 1931 acabou se convencendo, após visitar Hubble no Observatório do Monte Wilson, nos EUA. Precisou de dados concretos para mudar de ideia.

O próximo episódio ocorreu no final da década de 1940. Três físicos ingleses, desiludidos com a ideia de que o Universo poderia ter tido um começo e, portanto, uma história, propuseram o "estado padrão", no qual o Universo era eterno. Com isso, queriam se livrar da conexão inevitável com o Gênesis. Para ser compatível com a expansão, sugeriram que matéria era criada para compensar sua diluição, mantendo o cosmo num estado padrão.

No meio tempo, George Gamow, físico russo residindo nos EUA, propôs o modelo do Big Bang, no qual o cosmo surge de uma singularidade no passado. Junto com Ralph Alpher e Robert Hetman, calculou que deveria existir uma radiação por toda parte, um fóssil de quando os primeiros átomos de hidrogênio foram formados. Em 1965, a radiação primordial foi encontrada e o modelo do estado padrão, que não podia explicá-la, foi abandonado.

Hoje, temos duas observações ainda não explicadas. Primeiro, que galáxias são circundadas por um véu de matéria escura, um tipo de matéria que não produz a própria luz e interage apenas gravitacionalmente com a matéria comum. Segundo, que a expansão cósmica está acelerando. O culpado dessa pressa celeste tem um nome, "energia escura". Mas só isso.

Sabemos que a matéria escura representa 23% do material cósmico, enquanto que a energia escura representa cerca de 70%. Mas não sabemos do que são feitas. Imagino que a energia escura esteja relacionada com o vazio. Pois é, é possível que a componente dominante do Universo venha do nada. Devido ao princípio da incerteza da física quântica, não existe o vazio: flutuações de energia vindas do nada podem criar matéria, numa dança perpétua de criação e destruição.

Em ciência, é bom não saber. Precisamos de dados para decidir. Afinal, experimentos sem teoria são prosaicos e teorias sem experimentos são cegas. Acho que Einstein concordaria com isso.

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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

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