19 de jan. de 2011

Conquistando o instinto assassino

Folha de São Paulo, 09 de janeiro de 2011


MARCELO GLEISER

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Usar a psicologia humana para poder especular sobre o comportamento ET pode ser uma atitude míope e perigosa.
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SERÁ QUE CRIATURAS inteligentes podem escapar do instinto assassino? Quando se fala de invasões de extraterrestres, em geral, o foco é apocalíptico: "eles" vêm para nos destruir e roubar os bens do nosso planeta sem qualquer remorso.

Essa visão dos ETs não passa de um espelho de nós mesmos. Basta olhar para o dano que os colonizadores causaram na África, nas Américas e no Pacífico. Segundo os especialistas do projeto Seti, que há 50 anos busca por sinais transmitidos por supostas civilizações extraterrestres, temos grandes chances de detectar algo nas próximas décadas. Em 20 anos, teremos "visitado" dez milhões de estrelas, uma amostra razoável.

O problema, porém, não é a identificação de uma transmissão inteligente, mas a sua interpretação. Os ETs provavelmente não serão tão bonzinhos quanto os do romance "Contato", de Carl Sagan, que montaram uma mensagem que podemos compreender. Usar a psicologia humana para especular sobre o comportamento de inteligências extraterrestres pode ser não só uma atitude míope, mas perigosa.

Claro, temos de começar de algum lugar. O que é suposto (como em filmes e livros de ficção científica que partem de "A Guerra dos Mundos") é que as leis da evolução e a sobrevivência do mais forte dita o comportamento de todos os seres inteligentes do Universo.

Em outras palavras, mesmo criaturas inteligentes não podem escapar dos seus instintos animais: onde há vida, o instinto assassino reina.

Gostaria de apresentar uma visão menos pessimista. A prova de uma inteligência altamente sofisticada é justamente seu controle sobre o instinto assassino. Em humanos e outros primatas, o instinto assassino é tribal: encontramos proteção na tribo e a protegemos com unhas e dentes. Criamos divisões como Estado, nação e clã, e nos alojamos dentro delas.

ETs capazes de sobreviver a si próprios por um tempo suficientemente longo para criarem tecnologias de comunicação e de viagens interestelares devem ter evoluído além do comportamento primitivo.

O oposto é bem deprimente: quanto mais evoluída a espécie, mais efetivas as suas formas de matar, enquanto que sua moralidade permanece ancorada no animalesco. Se for esse o caso, estamos perdidos, como eles. Prefiro acreditar que não seja assim.

O fato de estarmos ponderando essas questões mostra que estamos progredindo. Sobrevivemos a 60 anos de bombas nucleares (claro, a ameaça ainda é concreta, mas hoje temos consciência de que uma guerra nuclear não tem vencedores). Existe, também, uma maior conscientização da fragilidade do nosso planeta. Sabemos que o mundo precisa mudar e que talvez a mudança tenha de ser global.

Pode ser que estejam os vivenciando o começo de nossa própria transformação numa espécie mais evoluída, menos tribal. É óbvio que o mundo permanece polarizado, dividido pela intolerância religiosa e também pela ganância. É hora de virarmos essa página e avançarmos coletivamente a um novo nível de sofisticação social. Ao menos por ora, a mensagem que vem dos céus nos diz muito mais sobre quem somos do que sobre quem, afinal, são "eles"".

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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"



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